Reclusão, isolamento e o próprio contágio resultam em danos neuropsicológicos que estão sendo acompanhados por pesquisadores
Por Beathriz Lima Moreira [1]
Ingrid Ramos dos Santos [2]
Patrick Rehder Bosco [3]
Edição por Giuliana Maciel [4]
Supervisão do Prof. Gean Gonçalves [4]
Reportagem elaborada na disciplina Jornalismo Científico e Cultural
Com a chegada da pandemia de Covid-19 em março de 2020, muitas pessoas adotaram o total isolamento em suas casas, tendo que transformar um ambiente de aconchego e distração no seu local de trabalho e estudo. A medida que parecia temporária perdurou por 1 ano e 6 meses; com isso, as pessoas deixaram de ter um convívio social presencial, o contato físico virou virtual. O cérebro humano também teve que fazer adaptações e para alguns o resultado foi depressão, ansiedade, crises de pânico e esquecimentos. Todavia, essas doenças também podem ser frutos da Covid-19.
De acordo com um estudo publicado na revista científica The Lancet, importante periódico médico, 26% das pessoas infectadas pelos vírus da Covid-19 desenvolvem sintomas de ansiedade e 23% sintomas de depressão. A pesquisa contou com mais de mil pacientes que relataram o funcionamento cerebral após a covid.
Segundo a psicóloga Milena de Jesus Oliveira, graduada pela Universidade Nove de Julho, o funcionamento cerebral está associado aos sintomas neurológicos e aos psicológicos e é preciso ter cautela ao associar a Covid-19 com saúde mental. “Os danos psicológicos são na maioria das vezes insônia, angústia, inquietação e medo. Com muita relação com o que estamos vivendo”.
Em um cenário incerto, esse assunto tem deixado muitos médicos, psicólogos e cientistas intrigados, o que torna a questão um importante campo de estudo. Com o avanço das pesquisas científicas sobre a Covid-19, notou-se que o vírus provoca uma resposta inflamatória sistêmica que leva a danos nas células neuronais. Inicialmente descrita como uma infecção do trato respiratório, já se sabe que pessoas infectadas podem ter como sequela uma espécie de “brain fog” [cérebro nublado], que nada mais é do que dificuldade de concentração e perda de memória recente.
“Pode ser que isso ocorra por conta da própria pandemia, as pessoas estão ficando ansiosas e depressivas, pois o número desses casos só anda aumentando. A ansiedade ou depressão pode estar causando a perda de memória e a dificuldade de concentração”, ressalta a psicóloga. De acordo com um estudo publicado por cientistas da Academia Oxford, apesar dos sintomas cerebrais, o vírus não se replica diretamente nas células do órgão.
A Covid-19 poderá ainda ser a explicação de outros danos ainda não tão citados no momento. Segundo Marcus Luiz, farmacêutico-bioquímico, mestre pelo ICB-USP e pós-doutorando em neurobiologia pelo ICB-USP, “as principais doenças que a neuroinflamação pode ocasionar inclui o acidente vascular encefálico, que é o popular derrame, e o aumento da predisposição ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer”.
De acordo com Luiz Eugênio Mello, diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), “a Covid-19 foi inicialmente descrita como uma infecção viral do trato respiratório, mas rapidamente fomos aprendendo que o cérebro é um dos vários órgãos afetados e isso exigirá pesquisas, visto que aspectos da doença ainda permanecem obscuros. O impacto no cérebro não está completamente entendido”, dissertou na abertura da palestra “What does COVID-19 have to do with the brain?”.
Entendendo que se trata de um cenário completamente novo, jamais vivenciado antes no mundo, muitas questões sobre a Covid-19 estão em aberto. As neurociências estão se aprofundando cada vez mais nos aspectos que intrigam a população de modo a responder concretamente quais são as sequelas cerebrais dessa doença.
Em entrevista à CNN Brasil, o neurologista Sérgio Ferreira, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e um dos autores responsáveis por um artigo sobre o tema publicado na Trends in Neurosciences, disse que a Covid-19 pode sim afetar o sistema nervoso central e prejudicar o funcionamento do cérebro a longo prazo. Ele informou que uma pesquisa recente publicada na China também apontou isso ao ver que 36% dos infectados apresentaram problemas neurológicos.
Esse é o caso de Beatriz Santos. “A falta de memória apareceu um mês após a infecção do Covid-19. Em coisas simples, mas que acabo esquecendo e lembrando dias depois. Qualquer coisa distrai minha atenção e só vou lembrar horas ou dias depois”. Ela também desenvolveu hipertensão intracraniana e edema de papila. “Eu passei por dois médicos durante o tratamento das sequelas. Um neurologista e uma neuro-oftalmologista. Eles disseram que, provavelmente, a Covid-19 ajudou a desencadear os problemas, mas não tiveram tanta certeza sobre por ser algo novo”, adiciona Beatriz.
“Atualmente já identificamos pacientes que apresentam, após terem sido acometidos pela Covid-19, dificuldade de locomoção. O mais comum é a dificuldade de identificação de cheiros e de odores”, completou o farmacêutico-bioquímico Marcus Luiz, que não descarta que isso possa ocorrer por predisposições genéticas.
[1] Aluna do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM
[2] Aluna do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM
[3] Aluno do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM
[4] Aluna do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM, estagiária AICOM – editora
[5] Professor do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM, ministrante da disciplina Jornalismo Científico e Cultural