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Especial: Professor da Universidade de Toronto explica impacto das plataformas digitais no mundo do trabalho

Rafael Grohmann foi convidado pelo NERD a palestrar sobre sua pesquisa em torno dos aplicativos, da economia digital e do trabalho via redes sociais

Reportagem: Edivaldo Carvalho, estagiário do
Núcleo de Estudos das Redes Digitais

O professor Rafael Grohmann é doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Atualmente, ele é professor de Estudos Críticos de Plataformas e Dados da Universidade de Toronto e pesquisador do projeto Fairwork, vinculado à Universidade de Oxford. Além de sua atuação acadêmica, Grohmann também é autor de livros e artigos sobre dataficação e trabalho em plataformas digitais.

Em abril, o cientista social foi convidado a dialogar sobre aplicativos, economia digital e o mundo do trabalho nas redes sociais em um encontro especial do Núcleo de Estudos de Redes Digitais, o NERD, dos cursos de Jornalismo e Relações Públicas da FIAM FAAM.

No encontro, Grohmann, explicou que Gig Economy, ou (Economia de Bicos), em tradução livre em português, é um termo que designa, depois da crise de 2008, como mais pessoas começaram a viver relações de trabalho temporário, muitas vezes, intermediados por plataformas digitais. Seriam alternativas de emprego, em que trabalhadores estão de plantão para prestar serviços. Trata-se de um modelo econômico em que as pessoas trabalham por conta própria em pequenos trabalhos ou projetos, algo já conhecido dos brasileiros, mas que passou a ocorrer com mais frequência na Europa.

Ele também enfatizou a questão da Uberização. O termo é utilizado para descrever o modelo de negócios da empresa Uber, que se popularizou em todo o mundo. Trata-se de uma plataforma que conecta motoristas particulares com passageiros que precisam de transporte, por meio de um aplicativo móvel.

Negócios baseados em aplicativos digitais tem sido amplamente adotado em todo o mundo, com muitas empresas procurando replicar o sucesso da Uber em seus respectivos setores. Todavia, Grohmann cita a tese de doutorado Ludmila Costhek Abílio (Unicamp) para exemplificar que esse modelo precede a popularização da Uber, ou seja, para a autora, a hiperterceirização e a informalidade acontecem já há muito antes de plataformas como a Uber. O estudo menciona a empresa Natura e a gestão das revendedoras, trabalhadoras que sem um regime contratual de emprego são responsáveis pela venda de produtos da marca. Trata-se de uma estratégia de negócios que se chama crowd work, isto é,trabalho de multidão.

Um terceiro ponto analisado por Grohmann é a plataformização do trabalho, que significa uma crescente dependência das plataformas digitais para executar atividades de trabalho, onde há uma superexploração do trabalho de informalidade. Logo, o que sustenta essa plataformização é o tino empreendedor. Pessoas que perdem o emprego, tendem a ter que se tornar criadores de conteúdo, não por opção, mas por uma questão de necessidade ou sobrevivência. Essas plataformas vão “plataformizando” setores que sempre existiram, como, trabalhos domésticos, cuidados, entregadores, motoristas, entre outros.

Grohmann também falou sobre as plataformas de micro-trabalhos, ou micro-tarefas, termos que surgiram com a plataformização. Eles não existiam antes. Plataformas de micro-trabalhos ou micro-tarefas são sites ou aplicativos que conectam pessoas ou empresas que precisam de serviços específicos. São tarefas simples e repetitivas que podem ser realizadas online, como categorização de imagens, transcrição de áudio, preenchimento de formulários ou tradução de textos.

As plataformas fornecem um mercado online para trabalhadores que se alinhem às suas disponibilidades, onde eles tenham acesso a uma força de trabalho global, sem a necessidade de contratar funcionários em tempo integral.

No Brasil existem no mínimo 50 plataformas de micro-trabalho. Uma das mais conhecidas é a Amazon Mechanical Turk, uma plataforma baseada na Web.

Essas empresas recrutam serviços, que podem parecer estranhos em um primeiro momento, como enviar fotos das fezes, semanalmente. Para que eles querem isso? Para alimentar bancos de dados da área da saúde. Ou ainda, enviar fotos pessoais, desde um determinado período até os dias atuais, para alimentar bancos de algoritmos de reconhecimento facial. Outro exemplo: gravar vídeos com o cabelo chacoalhando. Tudo isso, baseado em micro-tarefas.

Há uma pesquisa, em andamento, que levanta como questão que o Chat GPT foi feito a partir da base de dados de trabalho humano de uma multidão de trabalhadores quenianos a menos de um dólar, a hora. O que se conclui é que toda inteligência artificial tem muito trabalho humano envolvido.

Os moderadores de conteúdo que são terceirizados das Big Techs como Google, Twitter, Meta, Tiktok, são pagos por call centers. A função deles é passar o dia analisando manualmente, conteúdos como: pedofilia, esquartejamentos, entre outros, atuam onde a inteligência artificial não é capaz de detectar o contexto, se aquilo fica, ou não, na plataforma. Ou seja, moderando aquilo que há de lixo na internet.

Por fim, Rafael Grohmann citou as fazendas de cliques, que é uma forma de trabalho digital, onde geralmente, envolvem ações simples, como clicar em links, curtir postagens, ou seguir perfis em redes sociais. As fazendas de cliques são usadas por empresas, ou indivíduos, para aumentar artificialmente o número de visualizações, curtidas e seguidores de uma determinada página ou perfil. No entanto, essas práticas são consideradas ilegais ou fraudulentas, pois enganam os algoritmos das plataformas online e violam os seus termos de serviço. Grohmann conclui dizendo que as fazendas de clicks são apenas uma amostra de onde a plataformização do trabalho pode chegar. Mas o que fazer e como enfrentar isso?

“Regular as Big Techs vai fazer com que continuemos dependentes delas. É preciso ir além, criar alternativas que sejam ligadas à soberania digital, que seja de propriedade de trabalhadores, podem ser coletivos, cooperativas, que podem ser plataformas, para criar circuitos alternativos de produção e consumo”, conclui Grohmann.