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Egressa de Jornalismo compartilha como é a cobertura jornalística de Internacional

Patrícia de Matos conta sobre sua trajetória e as barreiras a serem enfrentadas

Reportagem: Maria Luisa Ricardo Cavalcante [1] 

Supervisão: Prof. Gean Gonçalves [2]

 

Após uma longa trajetória, a egressa Patrícia de Matos formada em Jornalismo no ano de 2020 pela FIAM alcançou o cargo de coordenação e editora-chefe da seção Internacional do Jornal Brasil de Fato. Em entrevista, a jornalista compartilha uma parte do caminho que percorreu até a chegada ao cargo, como era sua rotina e a cobertura jornalística de internacional. 

Para além, Patrícia compartilha com os alunos sobre a conclusão de sua formação, as mudanças sobre o pensamento do que é o fazer jornalismo na prática e as transformações no ramo após o período pandêmico.  

Patricia Matos/ Foto: Maria Luisa Ricardo Cavalcante

Como foi sua trajetória até a chegada no cargo de coordenação e editora-chefe? 

“A minha trajetória tem muito a ver com as trajetórias mais recentes de pessoas que fazem Jornalismo, acho que existe uma mudança no mercado jornalístico muito grande nos últimos anos depois da convergência digital e de uma série de plataformas digitais que é justamente ter por um lado muitas possibilidades no exercício do Jornalismo, até mesmo a ida de jornalistas para outros campos da comunicação, e por outro lado, tem-se menos oportunidade de trabalho em redações tradicionais, em grandes jornais comerciais por uma crise de financiamento desse modelo chamado “negócio”, porque são empresas.  

Então, minha trajetória tem muito dessa caminhada de quem passa por muitos lugares diferentes entre si. Já atuei como uma espécie de assessora de uma deputada que se identificava com pautas feministas, coordenei duas vezes a comunicação dela, um trabalho de coordenação geral de comunicação, elaboração de estratégias e um trabalho em fronteira com a publicidade. Eu tive uma passagem pelo cinema, trabalhei no lançamento do filme Democracia em Vertigem, um documentário publicado na Netflix, da diretora Petra Costa. Também passei pela campanha do Oscar do documentário Quando Falta o Ar, sobre a pandemia. Não tem como falar do currículo todo, mas tem uma passagem pelo cinema, pela política, né? Acredito que muitos jornalistas passem por essa experiência; fui repórter pelo Instituto Casa da Democracia e mais recentemente trabalhei no Jornal Brasil de Fato como coordenadora e editora-chefe da área de Internacional, na cobertura política externa brasileira e também nos acontecimentos do mundo para o público brasileiro. A maior parte do nosso trabalho era traduzir os fatos que aconteciam em outros países para a audiência brasileira, mas também fazíamos um trabalho de divulgação das notícias sobre o Brasil para o público estrangeiro, por isso que além de ser editora-chefe da cobertura Mundo Brasil, eu também coordenava essa área Internacional, para se comunicar com a audiência estrangeira”. 

O cargo de editora-chefe era um objetivo?  

Não era um objetivo, eu sempre tive e tenho uma alma mais de repórter dentro de mim. Acho que o meu grande interesse foi ouvir pessoas, contar a história delas. Inclusive no início da minha trajetória acadêmica eu quis fazer antropologia, estudo etnográfico, ir para os lugares, estudar outras culturas. Acabou acontecendo porque eu tive experiências de coordenação e gestão cruzado com a questão do Jornalismo e fez sentido. Foi uma experiência que eu aprendi muitíssimo, mas não foi algo que planejei, eu mirei no fazer jornalístico e aconteceu essa oportunidade dessa posição e eu abracei”. 

Você teve alguma experiência diferente dos demais jornais no Brasil de Fato, para além do cargo? 

“Eu acho que todas as experiências trazem coisas novas, são novos ciclos e naturalmente você tem outras combinações de pessoas, processos, cultura organizacional, mas com um certo padrão de boas práticas de qualidade para o processo jornalístico e suas variações, enfoque e visões diferentes de cada lugar. Acredito que o aprendizado e o ganho de repertório aconteceram em todas as minhas experiências profissionais, no Brasil de Fato não foi diferente. O que eu posso dizer de lá é que é foi uma experiência muito interessante porque é um Jornal que preza pelo jornalismo profissional e, portanto, pelo processo jornalístico, pela aplicação das metodologias, pelo que nós entendemos como um bom processo jornalístico, com rigor, se atendo aos fatos, descrição objetiva, mas com posicionamento político muito transparente. Já existe até um consenso na Academia para os estudiosos da comunicação de que não existe imparcialidade jornalística, são estruturas que são atravessadas por interesses políticos, econômicos não tem como fugir disso. É importante para um relacionamento saudável com a audiência que você deixe muito claro esses interesses. O que difere o Jornalismo da propaganda, embora essa fronteira tenha sido muito borrada ao longo da história,  o que faz ele ser profissional e isso existe no Brasil de Fato, uma das poucas experiências que eu vivi isso muito nitidamente, é o apreço pelo processo jornalístico, pelo profissionalismo, não se dá ou não se pode dar notícia se você não tem uma verificação, se não se ateve aos fatos, o compromisso com a verdade não quer dizer que você é dono dela, no final o que importa é o compromisso e a busca pela verdade. Essa correlação entre posicionamento político e uma relação histórica com os movimentos sociais, principalmente com o movimento dos sem-terra e ao mesmo tempo o exercício profissional do jornalismo que é na grande maioria das experiências é aprendida e exercida por grandes empresas de jornalismo foi um grande desafio. O Brasil de Fato é uma criação de um movimento social brasileiro e ele tem evoluído de uma forma muito peculiar, muito próprio. Ali eu podia aprender, estar mais perto do que é uma rotina de redação tradicional, da rotina de um jornal diário, que tem também suas características específicas, e também de poder beber esses outros repertórios, do âmbito ambiental, experiências comunitárias, quilombos, um compromisso em dar lugar a vozes que tradicionalmente não são ouvidas. Trazer isso para o Jornalismo foi uma experiência bastante interessante, me acrescentou muito”. 

Como era o seu cotidiano na redação? 

“O primeiro passo é conhecer como está estruturada as notícias no mundo, digo no mundo pois tem muito a ver com a tarefa que eu exerci, basicamente através de agências internacionais de notícias, nas plataformas digitais, redes sociais minoritárias como o Twitter onde as pessoas atualmente dizem que virou uma rede de jornalistas, é uma caixa de ressonância para o debate público e geralmente os temas que estão ali dentro reverberam no debate, e a partir disso fazer uma leitura mais antecipada possível do que está apontado para o dia, e é claro que isso não é feito uma vez por dia, porque esse é um processo ininterrupto. 

No início de um dia em uma redação é necessário verificar o que está acontecendo, botar a bola no chão e olhar, entender qual é a pauta do dia e a partir disso entender o que é a estratégico em termos de cobertura. O factual vem primeiro, ainda mais no jornalismo digital que você tem mais possibilidade de conteúdos e notícias que se desdobram através do factual, que chamamos de switch, com análises, interpretações, balanços, que é justamente esse alargamento temporal da evolução de um acontecimento. 

O dia dentro de uma redação de quem faz jornalismo diário é esse, você começa o dia, entende o que é a pauta, pensa o que é a estratégia de cobertura e você vai orientando a produção de notícias a partir disso”. 

O que mudou em você quanto ao pensamento sobre o Jornalismo? Patricia da faculdade e Patricia no mercado de trabalho, formada. 

“Do ponto de vista mais pessoal, saindo das elaborações mais macro, eu acho o Jornalismo ainda um lugar de importância, uma atividade importante para a sociedade, democracia, um serviço fundamental, tanto que na pandemia não fechou. O Jornalismo tem uma função pública, as vezes a gente se esquece disso. Eu tirei ele de um lugar de muita autoridade intelectual, foi importante para eu ter uma relação mais madura com a profissão e eu acho que de certa forma o próprio jornalismo e os jornalistas precisam diminuir um pouco o seu ego no sentido de um lugar de prepotência intelectual, não é o papel do jornalista e não condiz com a realidade. Por mais que você tenha muito compromisso com um bom trabalho, com excelência no exercício eu acho que existe um discurso nesse sentido e que bom que existe, é uma busca que todos temos que fazer, não é o saber produzir a partir do jornalismo, o conhecimento, as informações não estão num lugar de superioridade em relação as outras pessoas, existem outros saberes que são relevantes e todos devem ser respeitados. Me refiro a saberes como: cultura popular, povos indígenas, culturas de origem africana, pessoas que produzem cultura e comunicação dentro das periferias. Temos uma polifonia de vozes e pessoas falando em debate público. O Jornalismo é mais o mediador do debate público, mas ele não está num lugar de superioridade, na verdade, durante muito tempo ele foi um dos poucos mediadores devido à pouca estrutura da diversidade que se tem hoje, tínhamos as universidades, institutos de pesquisa, e a imprensa como grandes árbitros do debate público. Hoje em dia, você tem rede social e todo mundo é meio que produtor de conteúdo, isso é positivo e negativo e as duas coisas misturadas, é algo complexo, mas acho que entender esse lugar de mediação é importante, com um olhar mais autocrítico para alinhar expectativas. 

A crise de credibilidade é multifatorial, mas uma das coisas que talvez explique as situações como fake News, a ascensão de governo de extrema direita pelo mundo, tem a ver com o Jornalismo ter prometido que ali sempre é o lugar da verdade, um lugar de autoridade intelectual muito grande, que hoje para mim está meio que suplantado e não, tudo é passível de questionamento. Quando as pessoas começam a se sentir produtoras de conteúdo e começam a participar dessa discussão pública para o bem ou para o mal e fica claro que o jornalismo não é o dono da verdade, que ele é atravessado por outras coisas, as pessoas vão parando de acreditar e se sentem enganadas, porque você produziu um discurso que não tem condição de sustentar. É complexo isso, mas para mim a estudante via as redações e os jornais de uma maneira muito idealista que hoje eu não vejo, embora eu ache muito legal e adore fazer isso, me identifico muito com esse trabalho, acho muito importante, por isso deve ser fortalecido e esse processo significa passar pelo enfrentamento que o Jornalismo não é o dono da verdade, mas é o caminho para essa busca. Acho que essa é uma boa definição” 

[1] Estudante do curso de Jornalismo FMU/FIAM-FAAM – Estagiária AICOM 

[2] Professor do curso de Jornalismo FMU/FIAM-FAAM, supervisor de estágios AICOM