Em entrevista, a repórter e comentarista da rádio Band News FM, revela detalhes sobre sua carreira profissional e deixa mensagem aos estudantes negros que iniciam a graduação
Reportagem: Gabriele Marques
Supervisão: Prof. Gean Gonçalves
No dia 10 de outubro, foi divulgado o resultado da primeira edição do prêmio “Os +Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira”, um projeto realizado pelo portal Jornalistas&Cia em parceria com 1 Papo Reto, Neo Mondo e Rede JP de Jornalistas pela Diversidade na Comunicação. Dentre os nomes listados, estão grandes personalidades da TV, jornal e rádio brasileiro, tais como, Heraldo Pereira, Maju Coutinho, Manoel Soares e Jordana Araújo, formada pela FIAM-FAAM.
Confira também outro egresso de sucesso da FIAM-FAAM!
Em entrevista, Jordana conta, com detalhes, como se tornou repórter na Rádio Band News FM e comentarista no programa televisivo da Band Esporte Clube. A jornalista relata quais foram as principais dificuldades ao decorrer de sua carreira profissional e revela a importância do prêmio para todas as gerações negras do jornalismo brasileiro. Além disso, ainda deixa uma mensagem de inspiração para aqueles que estão começando na área. Confira, a seguir:
AICOM: Como tudo começou?
Jordana Araújo: O jornalismo sempre foi minha paixão desde que eu me entendo por gente. Eu venho de uma família que sempre consumiu informação e esporte, então essas são vertentes que estão comigo desde o início. Aos 12, eu decidi que queria ser jornalista, e meus pais me apoiaram incondicionalmente, porém, meu contexto social era complicado. Ainda muito nova, comecei a trabalhar como babá, depois tive alguns outros empregos. Pouco depois de me formar na escola, consegui uma vaga na Cajesp, ao mesmo tempo em que comecei a faculdade de jornalismo pela primeira vez. Fiz três semestres do curso e acabei engravidando; optei por trancar, para conseguir me dedicar ao meu filho.
Certo tempo após o nascimento do Pietro, eu precisava voltar para o mercado de trabalho, então comecei a estudar para o ENEM, e com a nota que tirei, consegui uma bolsa de estudos para o curso de processos gerenciais, totalmente diferente de jornalismo. Consegui uma oportunidade no centro logístico do Pão de Açúcar e finalizei a graduação que estava fazendo, mas eu sentia que precisava voltar para o jornalismo, porque era minha verdadeira paixão. Antes de trancar a faculdade, eu havia feito um trabalho voluntário numa rádio em Osasco, chamada Nova Difusora, onde tive minhas as primeiras vivências com o jornalismo esportivo como fotógrafa e repórter. Eu fiz cobertura de várzea até os oito meses de gravidez, acredita? Acredito que esse trabalho foi extremamente importante, porque me permitiu conhecer muitas pessoas, as quais me ajudaram a voltar para a área quando precisei.
Por gostar muito de esporte, principalmente futebol, continuei escrevendo alguns textos para o Facebook, de forma autônoma. Na semana que eu decidi fazer o vestibular para ingressar na FIAM-FAAM, uma pessoa da rádio que fiz trabalho voluntário me procurou e, por causa do que eu escrevia nas redes sociais, perguntou se eu gostaria de ser indicada para participar de um projeto da Federação Paulista de transmissões 100% femininas, do Paulistão Feminino. Eu realizava trabalhos voluntários para outras rádios, em conjunto com a logística. Era uma rotina bem insana mesmo! Fiz isso até 2020, quando eu decidi sair totalmente da logística e começar a me dedicar ao jornalismo.
Para mim, o projeto da Federação Paulista foi uma virada de chave na minha carreira, porque é ele que abriu as portas para muitos outros projetos. Eles gostaram do meu trabalho e, assim, surge o convite do casting da CBF para fazer os jogos da base do Brasileirão Feminino. Logo em seguida, apareceu a oportunidade de cobrir a seleção feminina e vários outros campeonatos de base. Em 2021, recebi a proposta de entrar na Band News FM como estagiária; essa foi a época que eu mais aprendi. Até que, no ano passado, fui efetivada e integrei a equipe de esportes. Aliás, ao decorrer do estágio, eu continuei com projetos fora como, o Paulistão e o Brasileirão Feminino para outras casas. Isso me proporcionou ter mais visibilidade e, consequentemente, algumas portas abriram, por exemplo, fazer parte do time de comentaristas da Band TV.
AICOM: Quais foram as principais dificuldades que você enfrentou e enfrenta até hoje?
Jordana: Tem um aspecto racial e social muito influente nessa trajetória, principalmente o racial. Já recebi vários “nãos” durante a minha vida, porque as pessoas diziam que eu não tinha perfil para ser jornalista ou para estar na TV, que meu texto e a minha linguagem não eram bons. Eu nunca aceitei isso! Sempre falei “Nem que eu tenha que correr 1.000 quilômetros a mais, eu vou correr”, e foi exatamente o que eu fiz. Eu fazia jornada tripla. Não recomendo e nem romantizo uma rotina exaustiva; não é saudável sair de casa quatro horas da manhã para um centro de logística, depois ir cobrir um jogo do outro lado de São Paulo, só com uma banana na mochila. Eu sabia que se eu não fizesse isso, se não provasse para os outros de que eu sou capaz, não iria alcançar boa parte das coisas que eu consegui. A gente passa muito pelo racismo estrutural, infelizmente, hoje em dia ele ainda está muito presente no meio da comunicação. Minha irmã brinca que para mim não existe porta fechada; se a porta fechou, eu venho com a marreta e abro. São muitas coisas ao longo desses nove anos, mas eu me orgulho muito de cada passo desse caminho.
AICOM: O que você acha essencial para que outras pessoas alcancem seus sonhos?
Jordana: Na minha concepção, ter uma rede de apoio é essencial. Mesmo com todas as limitações, meus pais nunca desmotivaram a mim ou aos meus irmãos, na verdade, eles sempre nos deram muita força, principalmente nos momentos mais complicados. Quando eu descobri a gravidez do Pietro, eu não tinha estrutura nenhuma, mas tive a sorte de ter pessoas que me acolheram.
Analisando de maneira mais ampla, eu não desejo pra ninguém as coisas que eu passei. A condição de ser a “Mulher Guerreira” não é saudável. Eu me orgulho muito da minha trajetória, mas eu sei o quanto me custou. Eu luto muito para que as próximas gerações tenham mais estrutura e priorizem a saúde mental. Venho de uma época, na qual ter uma rotina exaustiva era muito bem-visto, no entanto, são essas mesmas pessoas que estão doentes psicologicamente e fisicamente. Eu falo que eu não quero que tenham mais “Jordanas”, com a mesma trajetória que a minha. Espero que as pessoas possam se inspirar, mas que o caminho seja mais leve e de sucesso.
AICOM: Como você se sente sendo uma das 50 personalidades negras mais admiradas do jornalismo brasileiro? O que isso significa para você?
Jordana: Eu nem tenho roupa pra isso! (Risos) Só posso dizer que estou extremamente feliz e orgulhosa. Eu estou dividindo esse momento com referências, pessoas que eu mirei e me inspirei ao longo desses anos, por exemplo, Heraldo Pereira, Luiz Teixeira, Cynthia Martins – minha colega de Band, “irmãzassa”! – e muitos outros. Essa sensação de olhar para o lado e ver que você está dividindo esse espaço com pessoas incríveis, é uma baita responsabilidade. Foi difícil caminhar por esse universo da comunicação sem referências pretas. Tínhamos a Glória Maria, mas dentro do jornalismo esportivo, que é meu principal interesse, não tem mulheres pretas fazendo isso. Saber que daqui uns anos isso vai ser diferente, que se uma menina decidir que quer ser jornalista quando crescer, vão existir referências, é muito importante.
AICOM: De qual maneira você enxerga esse impacto na jornada profissional de pessoas negras?
Jordana: Durante a votação do prêmio 50 jornalistas negros e negras mais admirados, nós recebemos muitas críticas, porque as pessoas não se propõem a entender o racismo estrutural, tampouco o conceito de racismo em si. O racismo está condicionado em diversas situações, por exemplo, uma menina de 12 anos precisar trabalhar ou ter uma jornada profissional tripla, só para mostrar para as pessoas que ela tinha capacidade de ser uma jornalista. Esse debate precisa ser cada vez mais aprofundado, para que a gente não precise explicar o porquê de um prêmio como esse.
AICOM: O que mais você almeja alcançar?
Jordana: Eu sou completamente apaixonada pelo rádio! Meu objetivo sempre foi chegar no rádio, então posso dizer que já sou uma pessoa muito realizada. Ter participado de uma cobertura de Copa do Mundo e diversas outras importantes é surreal; eu vivi momentos lindos com a Band News FM. Porém, eu estou descobrindo que também gosto da TV. Eu estou muito feliz de ter a oportunidade de estar todos os sábados no Band Esporte Clube, que é montado por uma equipe que acredita que todos têm espaço na comunicação. Se hoje eu tenho um sonho, seria cobrir duas copas, uma feminina e outra masculina, “in loco”. Mas, de modo geral, eu estou completamente realizada.
AICOM: O que você diria para estudantes negros que estão iniciando a faculdade e a veem como uma inspiração?
Jordana: Continuem firmes na luta. Nós sabemos das nossas lutas e dores, que a nossa trajetória não foi e nem será fácil, mas, se acolham e se respeitem. Vocês não estão sozinhos, porque nós nos fortalecemos, mesmo longe um dos outros. Eu me inspiro muito também nas pessoas que estão começando, então é uma via de mão dupla, e isso me fortalece muito. Tenho certeza de que iremos nos encontrar, por isso não deixem de se dedicar e se esforçar, porque, no final, a caminhada vai valer a pena. Nós somos os sonhos dos nossos ancestrais, então vamos fazer valer a pena esse sonho.
[1] Estudante do curso de Jornalismo FMU/FIAM-FAAM – Estagiária AICOM
[2] Professor do curso de Jornalismo FMU/FIAM-FAAM, supervisor de estágios AICOM