books-gb229a8b06_1920

ALEGORIAS HISTÓRICAS DE MANOEL DE OLIVEIRA

Reportagem: Lala Evan

Supervisão: Prof Wiliam Pianco e Profa. Nicole Morihama

O professor Wiliam Pianco é nosso entrevistado pela AICOM, trazendo seu protagonismo em dois temas abordados em sua jornada acadêmica.

O professor Wiliam ofereceu uma narrativa impecável de sua pesquisa para a dissertação de mestrado, que consistiu em uma análise do discurso fílmico de “Um filme falado (2003)”, do diretor português Manoel de Oliveira, que viveu até 106 anos, sendo considerado o mais velho cineasta em vida e de muita relevância no mundo, que ao longo de todo o século XX, trouxe uma abordagem relacionando o cinema e a reflexão histórica.  Segundo o professor William, o cineasta vem ao encontro com a sua perspectiva em desenvolver uma pesquisa, onde teve a possibilidade de perceber as camadas históricas debatidas no filme.

Os aspectos temáticos foram tratados na análise fílmica de “Um filme falado”, com a percepção de uma leitura alegórica, ou seja, um modo de expressão ou interpretação que consiste em representar pensamentos, ideias, qualidades sob forma figurada, dessa maneira contando uma história remetendo a outro enredo do passado.

O enredo do filme narra o percurso de uma professora que viaja junto com a filha num cruzeiro que sai de Lisboa, em Portugal, passa pelo Mediterrâneo e segue com destino a Bombaim, na Índia. Ao longo da narrativa, pode-se observar que o filme remete à grande viagem realizada por Vasco da Gama, no processo de chegada à Índia, onde ele consegue contornar no sul do continente africano, chamado Cabo das Tormentas, e faz o contorno que até então, nenhum outro navegante havia feito.

O professor William comenta, em dado momento, que o roteiro apresenta outras alegorias culturais, sendo uma cantora grega, uma empresária francesa, uma modelo italiana e o comandante do navio, um americano. A partir daí, o tema da viagem no filme se converteria alegoricamente em uma ideia de construção das nações europeias com França, Itália, Grécia e até mesmo a grande alusão alegórica aos atentados das Torres Gemêas, de 2001, no Word Trade Center nos Estados Unidos, transcrevendo um comentário critíco à intolerância religiosa, por meio das ameaças bélicas terroristas.

Em síntese, a História, assim como o cinema, é passível de uma interpretação, a História é um processo interpretativo/narrativo e o cinema pode se apropriar disso por ser uma forma representativa e discursiva, reforçando com uma reflexão em diálogo com o pensamento de Walter Benjamin: “A história é sempre contada pelos mais fortes, mas, à medida em que vamos relativizando o lugar e a posição destes mais fortes, nós vamos relativizando também a História”.

Sobre o trabalho de mestrado, o professor William reforça que o propósito foi atingido, pois era provar que Oliveira havia tratado de forma alegórica uma crítica contra o eurocentrismo, mas ao mesmo tempo ele reforça um tipo de leitura da História que é também eurocêntrica no filme, existindo no enredo ambiguidades e contradições.

Os resultados do mestrado, de certa maneira, o forçaram a uma espécie de continuação a ser trabalhada em seu doutorado, o qual teve como tema “A Alegoria Histórica nos Filmes de Viagem de Manoel de Oliveira”, onde o docente e pesquisador foca seus estudos em mais cinco filmes do mesmo cineasta, sendo:

“O Sapato de Cetim (1985)”, que é absolutamente teatral, com sete horas de duração e narra alegoricamente a entrada de Portugal na Comunidade Européia. O filme  “Non, ou a Vã Glória de Mandar (1990)”, o qual fala sobre os fracassos dos portugueses no passado, como condutores de guerra.  “Viagem ao Princípio do Mundo” (1997),  é uma espécie de autobiografia de Manoel Oliveira e remete à infância do realizador para debater um Portugal contemporâneo que está perdendo suas memórias.  Já o filme “Palavra e Utopia (2000)”  celebra a chegada dos 500 anos dos invasores portugueses ao território brasileiro, onde o cineasta faz um comentário elogioso ao padre Antonio Vieira, desconsiderando o racismo que vem de encontro aos escravizados africanos. E finalmente o filme  “Cristóvão Colombo – O Enigma” (2007), que sustenta a tese de que o navegador Cristóvão Colombo teria sido português e não italiano – tal tese tenta provar que os portugueses teriam sido o primeiro povo a “chegar” a todos os demais continentes.

Finalizando aqui sobre o doutorado, professor William confirma sua tese de que tais filmes oliveirianos se sustentam com presenças da literatura, narrativas recorrentemente de viagens, nas quais há a interação entre a crítica e o elogio à imagem eurocêntrica como modo de compreensão da História (nacional ou mundial), o passado reportado no presente e a defesa dos feitos portugueses como contribuição fundamental para a globalização planetária, existindo muitos pontos críticos.