Texto por André Morel [1]
Na era das mídias sociais, o impacto de uma notícia acaba ressoando em áreas que parecem distintas
Em Outubro de 2021 a editora DC Comics divulgou uma notícia que reverberou em diversas áreas da sociedade, em diversos canais de comunicação. Um mês depois, na nova edição da revista, o novo Superman se assumiu bissexual. Artistas, políticos, esportistas e pessoas de variadas esferas de influência se manifestaram sobre o acontecimento. Afinal, qual a relevância da sexualidade de um personagem de HQs – as histórias em quadrinhos?
A importância do Superman
O Superman é um dos ícones mais conhecidos da cultura popular ocidental. Criado por Joe Shuster e Jerry Siegel, sua primeira aparição foi na primeira edição da revista Actions Comics em 1938. Desta forma, o personagem se tornou então o arquétipo de super-herói. Diversos autores tentaram replicar o sucesso do personagem, e considera-se que todo este gênero surgiu a partir desta primeira publicação. Outro momento de importância para o personagem veio no ano de 1992, quando ocorreu o evento chamado “A morte do Super-homem”. Diversos veículos de mídia como o The Washington Post, Newsweek, People e Newsday noticiaram o acontecimento, que recebeu atenção sem precedentes da grande mídia ao se tratar de quadrinhos.
Mesmo entre aqueles que não consomem seus filmes, séries, quadrinhos ou desenhos, é difícil imaginar alguém que nunca ouviu falar do Superman: trata-se de um homem super poderoso, que usa capa e voa, disposto a salvar pessoas e impedir criminosos. Até mesmo a sua fragilidade se tornou conhecida, de modo que kriptonita se tornou sinônimo de vulnerabilidade. No ano de 2021, entretanto, um novo fator gerou o desencadeamento das discussões e polêmicas em torno da notícia, as mídias sociais.
O impacto das mídias sociais
A influência das mídias sociais tem crescido de maneira progressiva demonstrando a força das relações digitais na vida dos cidadãos. É esperado que a timeline de plataformas como Facebook e Instagram estejam repletas de links de notícias das mais variadas, desde o mundo do entretenimento, até escândalos de corrupção e política internacional. A exemplo disso, a eleição de Barack Obama em 2008 contou com uma campanha cuja presença digital em páginas como Facebook e Myspace mostrou-se extremamente eficaz na popularização do então candidato. A adoção da estratégia foi essencial para sua vitória e alçamento ao posto de presidente.
Os grandes meios de comunicação como jornais e revistas passaram a migrar em peso para as mídias digitais, substituindo os produtos impressos. O New York Times anunciou em 2019 que 45% de sua receita veio de sua versão online, e a revista Life migrou totalmente para o modelo digital. Sendo assim, a facilidade de acesso ao conteúdo disponibilizado fez com que as notícias e informações alcançassem uma parcela consideravelmente maior de leitores. Contudo, parte do público não tem o costume de ler as matérias de maneira integral, atentando somente para as manchetes, imagens e subtítulos, formando assim sua opinião sem conhecer o conteúdo apresentado.
A publicação de 2021
No dia nove de Novembro houve o lançamento da revista “Superman: Son of Kal-El #5“, na qual o atual Superman, Jon Kent, assume sua bissexualidade. É importante ressaltar que Jon é filho de Clark Kent, o Superman original. Todavia, uma parte do público consumidor de notícias se deteve apenas às manchetes que anunciavam que o Superman se assumiu bissexual nas HQs, concluindo erroneamente que se tratava do aclamado herói original.
Um acontecimento aparentemente irrelevante para parte da sociedade que não consome histórias em quadrinhos tomou proporções inesperadas. Usuários das redes sociais começaram a publicar diversos posts se manifestando sobre a edição, muitas vezes expressando reclamações que expunham não terem lido as notícias na íntegra. Parte das críticas foram feitas com base no mal-entendido. Alguns repudiavam a modificação de um personagem criado há mais de oitenta anos, mas Jon Kent é um personagem com apenas seis anos de história, nos quais sua sexualidade nunca foi abordada. Enquanto isso, outros defendiam que a editora estava se aproveitando da imagem do herói para promover sua agenda política. Porém, entre as justificativas daqueles que proferiam seus desagrados sobre o ocorrido, não figurava o fato de que não se tratava de Clark Kent, mas sim de seu filho Jon.
A repercussão no Brasil
Como um exemplo da repercussão do acontecido e de sua influência na sociedade brasileira, é possível citar o caso do jogador de vôlei Maurício Souza. Após publicar no Instagram uma imagem de Jon Kent beijando seu namorado com a legenda: “Ah, é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar”, o atleta foi demitido do clube no qual atuava, o Minas Tênis Clube.
Demonstrando alinhamento com seu pensamento, o presidente Jair Bolsonaro fez aparições públicas ao lado do jogador, em sinal de apoio a sua declaração. Por outro lado, vinte parlamentares assinaram uma ação protocolada no Ministério Público condenando publicamente o atleta. E cada uma das expressões de respaldo ou de aversão, por sua vez, geraram novas notícias que foram amplamente comentadas e discutidas.
A repercussão massiva – de uma única notícia em setores distintos daqueles diretamente associados a ela – demonstra o quanto as redes sociais exercem poder sobre a vida das pessoas comuns. Os sinais de apoio ou de repúdio, tanto para com a HQ do Superman quanto para com a fala de Maurício Souza, são símbolos da disputa política entre as alas libertárias e conservadoras da sociedade. O PL (Partido Liberal), atual partido do presidente, convidou o jogador de vôlei para ser candidato a deputado federal nas próximas eleições. Outros setores o denunciaram, levando a disputas jurídicas que podem ser utilizadas como precedente para a resolução de casos futuros. Caso inocentado, outras pessoas que venham a se manifestar de maneira semelhante poderão utilizar esta situação como respaldo; caso condenado, Souza se torna um exemplo de punição para que outros não repitam seu gesto.
É inegável que o Superman não se resume mais a apenas um personagem de história em quadrinhos – ele se tornou um símbolo, no qual estão atrelados uma série de princípios e valores. Entretanto, símbolos mudam de significado conforme o tempo passa, e cabe às pessoas a decisão sobre a necessidade de ressignificação. A discussão sobre a identidade sexual de Jon Kent é apenas mais um caso sobre como a sociedade enxerga seus ícones e a influência que estes exercem nas mais diversas áreas. A diferença é o envolvimento de um número crescente de pessoas com suas diversas experiências de vida, em disputas de maior escala, proporcionadas pela existência das mídias sociais.
[1] – André Morel é aluno do curso de Jornalismo e integrante do Nucléo de Estudos das redes Digitais (NERD)