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Pesquisa em chamas: incêndios em museus afeta estudos importantes

De que forma os incêndios em museus brasileiros nas últimas duas décadas atrapalham a ciência?

Por Alex Maniezo [1] , Mariana Pires [2] e Giovana Calestini [3]

Edição por Giuliana Maciel [4]

Supervisão do Prof. Gean Gonçalves [5]Reportagem elaborada na disciplina Jornalismo Científico e Cultural

Ainda não era bem noite quando, segundo os bombeiros, as chamas começaram na Rua Othão, Vila Leopoldina, SP. Abastecido por rolos de filme, documentos, equipamentos para o trato de material delicado, além de outros pedaços de história, o fogo na Cinemateca só foi controlado às 20 horas. Três anos antes, no Rio de Janeiro, queimava o Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, novamente incentivando o fogo com seu estofo histórico.

No caso da Cinemateca não fazia muito tempo, um outro incêndio já havia acontecido, em 2016, mas a recorrência e a proximidade com o choque que gerou o incidente no Museu Nacional levantam questões quanto à manutenção destes locais científicos e culturais e de que maneira a perda desses materiais influenciam na dificuldade em se realizar uma pesquisa.

A princípio é necessário entender o que foi perdido. No caso da cinemateca, além dos filmes, tanto brasileiros como estrangeiros, se perderam cópias de cinejornais, documentários, extras de filmes, além de um extenso arquivo documental. “Foi uma tragédia que aconteceu pelo descaso com a instituição, abandono com o prédio”, explica Luara Kamiya, 19 anos, que atualmente trabalha como produtora cultural. Estagiária na Cinemateca em 2018, Luara era responsável pela análise técnica do estado físico e químico dos filmes em película e monitoramento dos depósitos.

De acordo com Luara, a rotina de trabalho para a conservação do acervo era regrada. Os materiais ficavam separados em salas com controle climático, fluxo de análise técnica e os materiais que poderiam sofrer combustão instantânea – como filmes de nitrato – ficavam em um galpão separado. Mesmo assim, o ocorrido de 29 de julho sucedeu no que ela classifica como “uma tragédia que ocorreu pelo descaso com a instituição, abandono do prédio, falta de investimento e falta de funcionários técnicos especializados”.

Por essa razão, ex-funcionários da Cinemateca criaram o perfil no Instagram “S.O.S Cinemateca” após o fechamento da instituição. A conta visa apontar e denunciar a precarização do local, organizar atos de protesto e manter um olhar atento para que tragédias como as que aconteceram em julho não aconteçam novamente.

Tendo em vista as perdas que um incêndio desta magnitude causa, pesquisas não só na área do cinema, mas da história, história da arte, jornalismo e outras humanidades se veem eternamente prejudicadas. Mesmo que a cópia de filmes e trailers ainda possa ser feita, documentos originais e equipamentos específicos acabam por se perder de forma permanente nas chamas ou qualquer outro desastre – natural ou não – que se permita ocorrer em um museu desse calibre.

O mesmo pode ser dito do Museu Nacional que, na noite de 2 de setembro de 2018, foi destruído em um incêndio, no bairro de São Cristóvão. Assim como na CB, existem materiais ali que não são recuperáveis. Entretanto, existe um fator que deixa a perda de certos objetos do acervo muito mais amarga.  O quesito temporal das peças, a preciosidade histórica ou biológica das amostras, contidas ali de muitas formas, são irreparáveis. É o que explica Carolina Brandão, 33, que também passou por outro lugar que também sofreu uma grande perda de acervo: o Instituto Butantan, que passou por um incêndio no laboratório de répteis em maio de 2010.

“Eu estagiei lá e tinham cobras coletadas ali pelo próprio Vital Brasil, espécies que já estão ameaçadas de extinção”. A bióloga diz ter tido a sorte de passar pelo Instituto um ano antes do incêndio e, por conta disso, ter conseguido a oportunidade de realizar sua investigação e finalizar seu trabalho de conclusão de curso.

Atualmente, como editora de livros didáticos, Carolina traça paralelos entre os ocorridos no Butantan e no Museu Nacional, especificamente para sua área, explicando que esses museus têm uma função preciosa de registrar e armazenar espécies de pesquisas primárias para futuras pesquisas, permitindo assim que se tenha acesso a dados sem que a fauna ou flora dos locais precise ser prejudicada mais de uma vez.

Perdas como essa acabam sendo irremediáveis ou muito custosas para os casos que existe uma possibilidade de recuperação ou restauro. Como dito anteriormente por Luara, investimento na área já é um problema visto pelos profissionais que trabalham com museus. Esperar que se gaste ainda mais para recuperar um acervo muitas vezes irrecuperável acaba criando um ciclo vicioso de pobre manutenção e gastos cada vez mais escandalosos e sem sucesso.

[1] Aluno do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM

[2] Aluna do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM

[3] Aluna do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM

[4] Aluna do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM, estagiária AICOM – editora

[5] Professor do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM, ministrante da disciplina Jornalismo Científico e Cultural