pesquisa1

DO DESMONTE À RESISTÊNCIA: PESQUISA BRASILEIRA PERDE INVESTIMENTO

Com cortes nas bolsas de mestrado e doutorado, pesquisadores enfrentam dificuldades para prosseguirem com estudos no país

Por Henrique Kovalek [1]

 Laura Luz  [2]

Vitor Cavalcante [3]

Edição por Giuliana Maciel [4]

Supervisão do Prof. Gean Gonçalves [5]

Reportagem elaborada na disciplina Jornalismo Científico e Cultural

Fazer um curso de pós-graduação é o sonho de milhares de brasileiros que se inscrevem para as vagas nos mais de 4.500 cursos existentes no país, mas que contam com a necessidade de um apoio financeiro – a bolsa de pesquisa.

Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior (CAPES), em 2019, 80% desses cursos eram ofertados pelas instituições públicas brasileiras, ou seja, dependiam – e ainda hoje dependem – da verba pública para um bom funcionamento.

Além das instituições, muitos dos pesquisadores dos cursos de pós-graduação stricto sensu – que abrangem os programas de mestrado e de doutorado – também dependem da verba pública que garante as bolsas como fonte de renda, que, em sua maioria, são ofertadas sob a condição de ser um pós-graduando com dedicação integral à pesquisa, ao longo de dois até quatro anos.

No entanto, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (IPEA), o investimento em ciência e tecnologia em 2020, que está diretamente ligado aos cursos de pós-graduação, foi de 17,2 bilhões, quase 2 bilhões a menos que o de 2009 (19 bilhões), sendo assim, o menor da década.

Esse corte afeta diretamente os programas ofertados pela CAPES e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

DIMINUIÇÃO DOS INVESTIMENTOS CAUSA QUEDA NO NÚMERO DE PESQUISAS APROVADAS

Cesar Augusto Villela Silva do Nascimento (34) faz doutorado em Psicologia, realizando toda a sua jornada acadêmica pela Universidade de São Paulo, e é um dos milhares de brasileiros impactados pelos recentes cortes de investimentos em bolsas de pesquisa.

“Meu programa tem nota máxima na CAPES, isso fazia com que todos tivessem bolsa quase garantida logo que eles entrassem. Entrei no doutorado quando isso estava começando a mudar. Hoje, têm alunos a mais de um ano sem bolsa. E como a pós exige dedicação exclusiva, com poucas exceções, é difícil trabalhar”, relata o psicólogo, que veio de escola pública e dependeu de moradia universitária e de programas de bolsa estudantil para manter sua permanência na universidade.

A bolsa para um cientista é mais do que um investimento para projetos e pesquisas, pois representa a principal fonte de renda para estes pesquisadores. Com o corte de verbas, o CNPq conseguirá pagar bolsas a apenas 396 dos 3080 candidatos à bolsistas de doutorados e pós-doutorados que foram aprovados na seleção de 2021.

“Agora tudo parece mais difícil. As bolsas quase sumiram, os programas que eu participei foram encerrados e mesmo a moradia parece estar em péssimo estado”. Quanto à possibilidade de esperança para a ciência no Brasil, César diz que o futuro parece sombrio.

Para Noelle da Silva (35), graduada em Sociologia pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestra em Ciência Política pela Universidade de Brasília, a expectativa é mais otimista ao relacionar o corte de verbas com a atuação do atual governo. “Existem políticas públicas consolidadas que independem do grupo que está no poder, que infelizmente foram enfraquecidas com a atual gestão. Tenho a expectativa que com a saída do governo Bolsonaro, em 2022, a pesquisa no Brasil retome o ritmo de crescimento e investimento dos governos anteriores”.

Segundo Noelle – ex-bolsista CAPES de 2013 a 2015 – na época em que fazia parte do programa, havia um forte investimento para a pós-graduação no Brasil, mas a realidade atual é oposta. “Isso dificulta muito a manutenção do pesquisador tendo em vista que ele não pode acumular com outra atividade, a não ser nos casos em que há similaridade com a pesquisa”. Ela destaca que o valor da bolsa não é reajustado há oito anos, sendo de R $1.500 para mestrandos e de R $2.200 para doutorandos.

A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) estipula que os valores deveriam ser corrigidos para R $2452 no caso de mestrandos e R $3596 para os doutorandos, de forma a corrigir a perda do poder de compra.

É importante destacar que, em plena pandemia, quando o mundo recorria à ciência por uma solução, o Brasil caminhava na contramão e realizava um corte histórico de orçamento destinado à pesquisa, afetando o desenvolvimento do monitoramento e produção de vacinas contra a Covid.

Para mensurar o impacto dos cortes, segundo levantamento feito pelo O Globo, por meio do Sistema Integrado de Operações (SIOP), em 2021, o CNPq recebeu o menor orçamento do século XXI, sendo esse de R$ 1,21 bilhões, quase 2 bilhões de reais a menos que o maior orçamento do século, em 2013, de R$ 3,14 bilhões.

No dia 16 de setembro de 2021, a presidente da CAPES, Claudia Queda de Toledo, dissolveu o Conselho Técnico Científico (CTC), banca responsável por avaliar os cerca de 5 mil programas de pós-graduação no país. Com isso, todas as decisões tomadas por esse grupo estão comprometidas e podem afetar a vida dos pós-graduandos aprovados pelos programas.

DIÁSPORA CIENTÍFICA

Enquanto o país é tomado por uma onda negacionista, os pesquisadores brasileiros seguem resistindo ao desmonte científico, aos cortes orçamentários e às reduções de bolsas.

Segundo o estudo “Pesquisa no Brasil – Um relatório para a CAPES”, realizado pela empresa norte-americana Clarivate Analytics, as universidades públicas são responsáveis por 99% da produção científica do país. Das 20 universidades que mais produzem, 15 são federais (entre elas UFRJ e UFSCar) e cinco estaduais (entre elas USP, UNESP e UNICAMP).

Mesmo sendo uma das universidades mais importantes para a pesquisa no Brasil – segundo o Conselho Superior de Investigações Científicas – a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) corre risco frequente de fechar e interromper suas atividades por não suportar os cortes de orçamento.

Além dela, outras instituições como a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade Federal de Brasília (UnB) estão em situação de alerta para a necessidade de interrupção de seus serviços.

Com os recursos reduzidos em 18% em relação a 2020, parte da solução encontrada por algumas universidades foi iniciar o corte de bolsas de pesquisa para contenção de gastos, como a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que reduziu 869 bolsas de pesquisa e assistência estudantil oferecidas pela própria instituição.

Com tão pouco investimento e valorização dos pesquisadores, o Brasil se tornou um especialista em exportar talentos. A triste realidade que assola a ciência brasileira já é considerada uma diáspora científica.

A busca por espaço e oportunidades estimula cientistas brasileiros a escolherem – ou serem forçados a – continuar suas pesquisas no exterior. Um desses casos é o da pesquisadora Luiza Gimenez Cerioli (29). Formada em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fez mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB) como bolsista pelo CNPq.

Para o doutorado, Luiza se tornou mais um talento exportado e estuda Ciência Política na Universidade de Marburgo, na Alemanha. Entre a esperança de tempos melhores e a dura realidade da pesquisa no Brasil, ainda há um longo e árduo caminho a ser percorrido. Mesmo com os percalços, a ciência brasileira luta e resiste.

Confira a entrevista completa com a pesquisadora Luiza Gimenez no nosso podcast Sem Fronteiras clicando nos ícones abaixo:

Spotify: https://open.spotify.com/episode/68aLlUbHn1BJRaOoyjhrE8?si=U6dL_njwQ2OditCIrRBIJQ&utm_source=whatsapp&dl_branch=1

Soundcloud: https://soundcloud.com/vitor-cavalcante-909364642/1-diaspora-cientifica-do-brasil

[1] Aluno do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM

[2] Aluna do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM

[3] Aluno do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM

[4] Aluna do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM, estagiária AICOM – editora

[5] Professor do curso de Jornalismo FMU/FIAM FAAM, ministrante da disciplina Jornalismo Científico e Cultural