Jefferson De

ESPAÇOS SÃO CONQUISTADOS ATRAVÉS DO CONSENSO E NÃO DO CONFRONTO, AFIRMA DIRETOR PREMIADO JEFERSON DE

Em uma das palestras mais movimentadas da semana, o profissional explicou sua arte e como o negro pode ascender no audiovisual

Por Arthur Vieira Beserra. [1]
Revisão por Letícia Guzo. [2]
Supervisão de Prof. João Luis Gago Batista [3] e Prof. Nicole Morihama [4]

Figura 1 – Jeferson De e o professor Thiago Venanzoni

Nesta quinta-feira (22 de abril), ocorreu o terceiro dia da Semana Acadêmica da FIAMFAAM, que contou com a presença do diretor de cinema e TV Jeferson De. Seu extenso currículo é composto pela direção das séries Pedro e Bianca (coprodução Coração da Selva e TV Cultura) e Escola de Gênios (Mixer / Gloob); a novela Bom Sucesso (TV Globo) e os filmes Bróter, O Amuleto, Correndo Atrás e o sucesso de repercussão e crítica M8: quando a morte socorre a vida.

Na mesa mediada pelos professores Thiago Venanzoni e Bruno Casalotti, foram discutidos assuntos como a ascensão do negro no audiovisual, processo criativo e direção. Jeferson aproveitou ainda para falar de seus novos projetos.

Formado em cinema pela USP, no ano 2000 publicou o manifesto Dogma Feijoada, questionando o que seria o cinema negro brasileiro. Foi uma referência ao movimento Dogma 95, criado pelos cineastas Thomas Vinterberg e Lars Von Trier, que defendiam um cinema mais realista e menos comercial. Apaixonado por edição, colaborou com projetos como os realities 20 e Poucos Anos (MTV Brasil) e Popstars (SBT). Na sequência lançou seus primeiros curtas.

Ele conta que a grande virada veio com o filme Bróter, de 2010: “Foi uma entrega total, tendo criado o roteiro, dirigido e podendo opinar muito na edição do filme”. O longa, que conta a história do reencontro de três amigos que vivem na periferia de São Paulo, foi exibido em festival internacional: “Para minha surpresa, um dia estava indo para casa, de ônibus, e o meu celular toca e era o Kito Ribeiro (editor) me dando a notícia de que o filme seria exibido em Berlim (…) Ali minha história com o cinema começou”, conta Jeferson. Orgulho, completa: “Nesse tapete vermelho eu vi o meu ídolo, Martin Scorsese, que estava com Leonardo Di Caprio, lançando A Ilha do Medo. Pensei: ‘Ih, cheguei nesse lugar!’”. 

Questionado sobre como enxerga o cinema, Jeferson explica que vive numa eterna busca por algo genuinamente brasileiro, assim como os pioneiros Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha fizeram há algumas décadas. Na geração atual, destaca nomes como Renata Martins e Camila de Moraes, diretora de O Caso do Homem Errado, disponível no Globoplay.

Acredita que, como na sociedade, o negro precisa ocupar o seu lugar nas telas, retratando a realidade brasileira e não apenas o estilo baseado em filmes estrangeiros. Isto não deve se resumir aos atores, mas também incluir as posições de diretor e produtor. “Já na década de 1970 e 80 não faltavam negros no audiovisual, mas eles estavam ali nos créditos da metade para o final. São aquelas pessoas chamadas ‘Chicão’, ‘dona Maria’, pessoas sem sobrenome. Nos meus filmes eu exijo que as pessoas tenham sobrenome. Elas precisam ser respeitadas”, explica o diretor sobre o modo como profissionais dos bastidores são tratados.

Convidado por Cao Hamburger (criador de Castelo Ra-Ti-Bum) para a sua nova produção, Pedro e Bianca, teve o desafio de dirigir para um público cheio de dúvidas na adolescência. A série ganhou o Emmy Internacional, o maior prêmio da televisão mundial. Já Escola de Gênios foi direcionada à uma faixa etária ainda mais nova, na casa dos 12 anos para o canal Gloob, outro grande desafio. 

O convite para a televisão comercial aberta veio com Bom Sucesso (Globo), em 2019: “Foi muito bom trabalhar com os autores Rosane Svartman e Paulo Halm, os dois são cineastas”, conta. O que mais lhe chamou a atenção foi a história ter um núcleo popular forte e mesclado com literatura. Dirigir uma obra com 155 capítulos que vai sendo construída ao mesmo tempo em que vai ao ar, lhe permitiu desenvolver maior segurança para as próximas obras.

Em sua carreira entendeu que a melhor tática para conquistar espaço para pautas importantes não é o confronto, mas o consenso. Equilibrar o interesse do realizador, que está investindo na ideia, e do diretor que vem com a parte artística: “Com o tempo conquistei o direito de definir o corte final de alguns dos meus filmes”. Preferindo mais ouvir do que falar, trabalha com um roteiro aberto, sempre em busca da melhor solução. 

Seu sucesso mais recente é M8: Quando a Morte Socorre a Vida, lançado em 2020. O filme mostra a história de Maurício (Juan Paiva), um jovem negro que conquista uma vaga na faculdade de Medicina. Na primeira aula, conhece M8: o cadáver que terá de estudar nas aulas de anatomia. Para descobrir a identidade do corpo, terá de superar suas próprias angústias. O racismo presente na sociedade pode ser silencioso, mas torna-se gritante quando o público percebe que isto acontece todos os dias em todas as esquinas. 

Um dos momentos mais lembrados da obra é quando Maurício discute com a mãe, interpretada por Mariana Nunes. Jeferson conta que os críticos estranharam a resposta dela, uma mulher simples, às reclamações do filho. O diretor explica que não utilizou uma reação física, como seria o esperado, pois procurou homenagear a figura de Marielle Franco, que através de suas palavras procurou combater a violência. Infelizmente a vereadora carioca foi vítima de pessoas que preferem agredir a dialogar e que tiraram sua vida em 2018.

Sobre o futuro do audiovisual, ele é otimista apesar do momento difícil provocado pela pandemia da covid-19 e dos cortes do Governo Federal na área da cultura: “O futuro já começou. A construção dele é feita diariamente, por exemplo, por garotas e mulheres trans roteiristas. No geral, graças à tecnologia, nossa capacidade de criação e o aceitamento da diversidade, ampliamos nosso espaço”, finaliza Jeferson, que foi convidado a dar uma aula magna quando lançar o seu próximo filme no segundo semestre deste ano sobre o abolicionista Luís Gama. O ano ainda guarda outras novidades como a direção de um núcleo negro em uma telenovela e a versão em longa-metragem do curta Narciso Rap, que se propõe a falar do efeito do racismo estrutural sobre as crianças negras. 

Por iniciativa do convidado, a palestra foi dedicada à memória do ator João Acaiabe, que interpretou o Tio Barnabé no Sítio do Pica-Pau Amarelo (Globo) e o cozinheiro Chico em Chiquititas (SBT). Para Jeferson, o papel que mais o marcou, foi o que o ator interpretou em O Dia em que Dorival Encarou a Guarda, de 1986.

O evento está sendo transmitido pela Rádio FIAMFAAM e a WebTV FMU/FIAM.

[1] Aluna do curso de Jornalismo FMU/FIAM-FAAM, estagiários AICOM – repórter
[2] Aluna do curso de Jornalismo FMU/FIAM-FAAM, estagiário AICOM – revisora
[3] Professor do curso de Jornalismo FMU/FIAM-FAAM, supervisor de estágios AICOM
[4] Professora e coordenadora do curso de Relações Públicas e Jornalismo FMU/FIAM-FAAM