O racismo tem caráter sistêmico e estrutural, organiza nossa economia, sistema político e instituições. O próprio mercado de trabalho como foi constituído interpõe barreiras que impedem a inserção dos negros – uma pessoa sozinha não tem condições de enfrentar esse sistema. A organização política é importante para unir forças, elaborar estratégias coletivas, ir às ruas para dar visibilidade e confrontar o Estado para que seja promotor de políticas de reparação, dada a carga histórica que o racismo tem na sociedade brasileira. É nesse contexto que os movimentos sociais ganham importância e foram discutidos durante o evento Afro Presença.
Maria Sylvia Aparecida de Oliveira (Geledés) pontua que é a partir dos movimentos sociais que muitas das políticas públicas que a sociedade (de modo geral) desfruta hoje são fruto da luta dos movimentos sociais. O movimento negro de forma específica está o tempo todo pautando a melhora das condições de vida da população negra e não raramente, a sociedade branca usufrui, como exemplos o ProUni e o SUS. Hoje vemos um discurso antirracista por parte de pessoas, organizações e instituições, mas ainda carecemos de práticas efetivas para que possamos levar os jovens negros para dentro das organizações e das empresas. Mais do que o discurso, a prática é extremamente importante, as instituições têm que começar a praticar, de fato, o discurso antirracista. “A Geledés tem muito cuidado com certas associações por conta disso. Queremos saber se aquilo é apenas uma fachada para a empresa posar como antirracista e lucrar ou se é uma mudança efetiva e verdadeira”, diz Oliveira.
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Precisamos refletir sobre a honestidade dessa inclusão e qual o ambiente em que essas pessoas estão sendo inseridas, quais as políticas de permanência para o não adoecimento de uma pessoa negra em uma organização onde a estrutura é majoritariamente branca. É mais complexo do que somente a contratação de negros. “Uma grande questão da pauta antirracista são empresas que têm em seus cargos diretivos majoritariamente pessoas brancas e que contratam jovens negros apenas para cargos de estágio ou aprendiz, como se fosse a única forma de inclusão. Nesses cargos, se mantém as relações de hierarquização racial e subalternização de negros dentro da estrutura da própria empresa”, diz Silvia Souza (Educafro).
Onde acontece a inclusão da população negra, se tem uma diversidade de pessoas que pensam, gerenciam, articulam e dirigem processos de criação- o que gera um aumento de lucratividade das empresas, ampliação do mercado interno de consumo, diversificação e elevação da qualidade dos produtos e serviços ofertados. “Precisamos considerar a contribuição histórica dos negros, incorporá-los em todas as áreas e funções, executar práticas antirracistas cotidianas, programas de progressão nas carreiras voltados exclusivamente aos negros para que a estrutura promova ambientes mais saudáveis e que não reproduzam a lógica racista.”, finaliza Ângela Guimarães (Unegro).
As palestrantes também analisaram a segregação no ambiente acadêmico e profissional ao longo de suas trajetórias e a importância do ativismo para derrubar o racismo estrutural. Oliveira comentou ainda que os estudos são importantes não só para obter êxito profissional, mas também para a formação pessoal, e que ter sucesso no trabalho não é apenas sobre dinheiro, mas sobre batalhar pra construir uma sociedade mais igualitária e inclusiva para as próximas gerações.
“Fui bolsista do ProUni na UNIP- SP, estudava em Alphaville com pessoas de classes mais altas. Enquanto eu saía da periferia de Itapevi, pegava dois ônibus para chegar à faculdade e muitas vezes não tinha dinheiro pra pagar passagem – tinha que andar um trecho a pé”, diz Souza sobre sua trajetória como mulher negra periférica.
Souza explica também como o racismo estrutural ocorre no mercado de trabalho, fazendo com que pessoas negras não se sintam capacitadas ou pertencentes a cargos de alto escalão. “Fui assistente jurídica em um escritório de renome. Tentei subir de cargo, ser advogada júnior trabalhista, fiz uma prova na qual fui muito bem, porém não fui contratada. Disseram que eu não tinha o perfil da vaga”. Souza aponta que o profissional negro enfrenta tantos desafios impostos pelo racismo estrutural, que acaba se tornando um profissional ainda mais qualificado.
O racismo estrutural faz com que os cidadãos negros acreditem que não são competentes o suficiente ou qualificados para qualquer cargo de alto nível. Guimarães conta suas experiências na luta contra o racismo: “Já fui expulsa do campus da universidade enquanto participava de movimentos estudantis, sofri discriminação racial e também perseguição de gênero”, finaliza.
Por Lucas Cruz e Marina Fiorotti*
*Sob supervisão do professor Kaluan Bernardo