Morador de rua

População de rua e coronavírus, o reflexo da desigualdade social

Mediante a atual pandemia sobre a evolução do novo coronavírus, uma das medidas protetivas é ficar em casa, porém os moradores de rua não possuem o mesmo privilégio.

De acordo com o Censo de 2019, divulgado pela Prefeitura de São Paulo, a capital tem aproximadamente 24.344 pessoas morando nas ruas. Comparado com o último levantamento de 2015 o número de moradores de rua eram de 15.905, o que representa um aumento de 53% da população de rua em apenas 4 anos.

Diante da pandemia sobre a Covid-19, os moradores de rua se veem vulneráveis ao vírus, visto que as medidas preventivas envolvem questões básicas de higiene, como lavar bem as mãos, ter sabonetes, álcool em gel, luvas e máscaras, recursos estes inviáveis para quem mora nas ruas.

Além da exposição ao vírus, os moradores de rua enfrentam também os impactos da crise econômica, pois com as medidas de isolamento social, ONGs e instituições de caridade contam com poucos recursos e principalmente voluntários que apresentam receio de irem as ruas entregar alimentos.

A ministra da mulher, da família e dos direitos humanos Damares Alves, afirmou em uma entrevista coletiva (7), para o UOL, que poucos moradores de rua foram contaminados pelo novo coronavírus no Brasil, porque “ninguém pega na mão deles”. Embora os números não tenham sido divulgados, apenas na cidade de São Paulo já são 22 pessoas em situação de rua mortas pela Covid-19, segundo a Secretaria Municipal da Saúde.

O Brasil registrou 14.817 mortes na sexta-feira (15), segundo o Ministério da Saúde, um caso recorde com 824 mortes em apenas 24 horas. Um fator que preocupa a todos, principalmente aos moradores de rua que se tornam “invisíveis” as autoridades e sem acesso a recursos básicos para a saúde e devida proteção.

Em entrevista a AICOM, José Maurício Ferraz, coordenador social do Povo de Rua (Movimento AMOR) do Santuário Arquidiocesano São Judas, a população em situação de rua na maioria das situações é normalizada por muitos e não recebem os devidos cuidados, principalmente das instâncias políticas.

Por outro lado, com a pandemia, pode-se observar que muitas pessoas se mobilizaram de alguma forma para arrecadação de doações e distribuição de produtos e alimentos a população em situação de rua (como acontece geralmente com a doação de agasalhos período do inverno). Porém, pouco vemos a efetividade do Estado para atuar com políticas públicas para a população em situação de rua, durante a pandemia.

A nível federal, o governo nem tocou nesse assunto. A nível municipal foram realizadas algumas construções estratégias para acolher a população de rua, como por exemplo o acolhimento a moradores de rua no SESC. Porém, como uma pessoa em situação de rua irá requerer o benefício do auxílio emergencial? Sendo que em sua maioria, não possuem aparelho celular e todos os documentos necessários, diz.

Enfim, é uma ampla discussão. Se de um lado algumas pessoas com consciência e sensibilidade social, se preocupam com a realidade destas pessoas, de outro. O Estado não garante nem mesmo os direitos básicos da população de rua, garantidos pela constituição, como direito à moradia, a saúde, a educação etc. Necessitando de políticas públicas para auxiliar estas pessoas carentes, relata.

Segundo Maurício, os moradores de rua andam com medo e incerteza. Medo ao ver as ruas vazias, pessoas com máscaras, distantes umas das outras, sem informações e preocupados com o alto índice de contaminação e o crescimento acelerado do número de óbitos.

“Além do medo, são cercados pela incerteza da contaminação e acerca do futuro, sem contar que as doações constantes de alimentos e recursos diminuíram consideravelmente”.

A primeira medida a ser tomada para ajudar os moradores de rua é a conscientização. É fundamental que todas pessoas em situação de rua sejam conscientizadas da situação que estamos vivendo e informadas em como se prevenir diante da pandemia, partindo da situação em que estão inseridos: a rua. Isso é primordial. Continuando, é necessário que seja oferecido a essa população máscaras de proteção para todos e material de higiene pessoal para se prevenirem, como álcool em gel, sabonetes etc. Creio que com incentivos públicos poderia haver também mais abrigos para pessoas sintomáticas ou pessoas do grupo de risco, diz.

Os abrigos disponibilizados não têm uma estrutura ideal para auxiliar as pessoas em situação de rua. Por muitas vezes cheios, não apresentam as condições básicas de saúde, e os recursos do local extremamente limitados. 

Portanto, é extremamente necessário que o serviço social atue, informando a população em situação de rua sobre a realidade que enfrentamos, sobre as maneiras de prevenção e ofereçam os itens básicos que se tornaram necessárias como máscaras, sabonetes, luvas e álcool em gel, além da instalação de pias públicas, conclui.

De acordo com a psicóloga Marilene Vieira da Silva, de 36 anos, os moradores de rua se veem em condições de abandono e descaso tornando-se invisíveis e ignorados pela sociedade e Estado, expostas não só a Covid-19, como a todo tipo de má sorte, risco social, violência, desumanidade e desigualdade. O coronavirus é mais um perigo a que estão expostos vivendo em condições salubres e máxima de vulnerabilidade.

Se olharmos pela perspectiva histórica, os moradores de rua tornaram-se uma população ignorada por grande parte da sociedade. Então é possível que grande parte das pessoas em condição de rua estejam desavisados quanto a Covid-19, a gravidade do problema, as formas de prevenção e de contaminação. 

Segundo Marilene, instituições e ONGs fazem o melhor que podem com os recursos que têm disponíveis para auxiliar a população de rua. A raiz do problema é bem mais embaixo, com certeza, está na própria estrutura do Estado. Conheço instituições que fazem trabalhos belíssimos e importantíssimos com os poucos recursos que lhes são disponibilizados, o que precisamente limitam a quantidade de pessoas que conseguem atender com dignidade, conclui.

Em entrevista a AICOM, a psicóloga Larissa Corá Fernandes também se vê indignada com o descaso que os moradores de rua estão enfrentando. Se para nós que temos moradia está uma situação complicada, mesmo com acesso a sanidade básica, produtos de higiene e água encanada, imagine para eles. Como eles podem lavar as mãos, que é um dos princípios básicos para evitar o contágio? Como eles podem realizar o distanciamento social sem moradia, sem emprego para alimentar a si próprio e sua família? Se a realidade de compaixão para com eles já era praticamente nula, agora, nesse momento, são poucos que continuam com a pretensão genuína de ajudá-los com comida, mantimentos e roupas, diz.

Tudo isso intensifica o sofrimento de exclusão, marginalização e solidão, tornando a sobrevivência mais difícil. Para eles que se preocupam diariamente se vão morrer de fome, frio ou por alguma violência, o vírus se torna mais um fator somado a esse medo, porém, este é um inimigo invisível, impossível de se ver, o que torna tudo ainda mais grave.

Segundo Larissa, a quantidade de abrigos é menor do que a quantidade de moradores de ruas, assim, não são acessíveis a uma boa parcela dessas pessoas. E nem todos são adeptos a esse tipo de abrigo, preferindo, muitas vezes, permanecer nas ruas. Portanto, as Políticas Públicas deveriam cada vez mais incluir essas pessoas na sociedade, proporcionando trabalhos dignos, com todos os cuidados e oportunidades igualitárias. Enxergando-os como sujeitos de direitos e deveres, como seres humanos dignos de possibilidades e capacidades.

Para ela é fundamental, em primeiro lugar criar locais acessíveis ao público para reproduzir informações, seja com pessoas e órgãos disponíveis para isso ou com algum instrumento tecnológico. A utilização de carros de sons passando nas ruas informando as medidas de proteção pode favorecer nesse quesito. 

Depois, é necessário realizar a criação de pias públicas para higienização, a distribuição de produtos de higiene e prevenção (como sabonetes, álcool em gel, máscaras, luvas), adequar os abrigos e aumentar a quantidade deles para receber toda essa população. Além de, que todo ser humano, como cidadão, deveria se disponibilizar de alguma forma para ajudar essas pessoas, com doações financeiras ou materiais (comida, roupas, utensílios de higiene, etc.)

Larissa finaliza a entrevista dizendo: “Consequentemente, devem se sentir mais segregados ainda sem o acesso devido as notícias diárias de suma importância. A informação é um privilégio, que infelizmente, nem todos tem acesso”.

Portanto, o Estado deve atender estas pessoas e ajuda-las na prevenção do novo coronavirus, pois cada vida importa. E neste cenário de incertezas sobre o futuro, devemos nos sensibilizar e ajudar o próximo, pois somente juntos venceremos a Covid-19.