Cidade vazia

Pandemia confina seres humanos e recupera meio ambiente

Os poluentes que são liberados em São Paulo, devido a quantidade de pessoas e veículos que circulam na cidade, diminuíram ao longo do período de isolamento. Levantamento da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) mostrou que a qualidade do ar na cidade melhorou e está visível por causa da diminuição de atividades na quarentena, o que ajudou em muito a manter a saúde de muitas pessoas que vivem na Capital.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) cerca de 7 milhões de pessoas morrem a cada ano por causa da poluição do ar e as pessoas que vivem em centros urbanos estão expostas a pior qualidade atmosférica. Um dos maiores causadores de dano é o dióxido de nitrogênio (NO2) liberado pelos motores dos veículos.

A redução no número de carros em circulação traz outros benefícios, segundo a professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), Maria de Fátima Andrade. “Há menos ruído, consegue-se ouvir mais os passarinhos além da redução na poluição”, diz ela. Esse céu mais limpo, notado em São Paulo no início da quarentena, é resultado da redução na circulação de veículos, a principal fonte de emissão de poluentes na cidade. “Como uma grande parte deles deixou de circular, ficou clara a diminuição de poluentes primários, como o monóxido de carbono [CO, emitido principalmente pelos carros] e os óxidos de nitrogênio [NOx, emitidos sobretudo por veículos a diesel], confirmada nos dados atmosféricos”, afirma a professora.

Ar mais limpo

A recente boa qualidade do ar, consequência da diminuição no tráfego, trouxe também melhorias para as pessoas que sofrem de problemas respiratórios. “Se tem menos poluentes, em geral há menos danos, principalmente, no sistema respiratório de idosos, crianças ou quem tem doenças como asma e bronquite ou rinite alérgica”, afirma Adalgiza Fornaro, docente no Departamento de Ciência Atmosférica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciência Atmosférica (IAG/USP). A professora lembra também que estamos no período seco (menos chuvas) e, além de pouquíssima chuva, tem se observado umidade relativa muito baixa (ao redor de 30%). 

De acordo com a médica pneumologista do Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana – FIOCRUZ, Patrícia Canto Ribeiro, o baixo nível de poluição atmosférica está diretamente ligado a uma redução de mortes por doenças pulmonares, cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais, infarto e doenças respiratórias. “Essas taxas podem ser facilmente avaliadas por vários estudos que mostram a relação direta entre o aumento na poluição das grandes cidades e taxas de internação e óbitos por essas patologias”, diz. A médica alerta que idosos e crianças menores de 5 anos são mais vulneráveis aos efeitos da poluição atmosférica. “No entanto, algumas doenças relacionadas à poluição requerem reduções continuadas, como o caso do câncer de pulmão que se relaciona a exposição prolongada à poluentes”, afirma.

Questionada sobre os possíveis aspectos positivos que as medidas de isolamento vêm trazendo para a população, no que diz respeito à baixa de gases nocivos lançados à atmosfera, a médica faz um prognóstico animador: “A redução na queima de combustíveis fósseis, especialmente pela redução do trânsito das grandes cidades, certamente está contribuindo com a redução de mortes diretamente relacionadas à poluição.” Contudo, essa diminuição não se deu de maneira igual em São Paulo. A queda no nível de poluentes está mais visível especialmente na região central. É possível também perceber que na região de Cubatão, por exemplo, houve aumento de alguns poluentes. “Mas lá são outras fontes de poluição, ligadas as atividades industriais”, complementa Maria de Fátima.

Ar limpo e circulação viral

Apesar do cenário um tanto animador, a médica pneumologista Patrícia Ribeiro ressalta que a queda na emissão de tóxicos não interfere na circulação do vírus. O nosso sistema respiratório agradece os baixos níveis de poluição atmosférica, mas as medidas de higiene, para evitar a dispersão do novo coronavírus, devem continuar sendo seguidas à risca (lavar as mãos regularmente, usar máscaras, manter o distanciamento social) e, sempre vale reforçar, ficar em casa ainda é o melhor seguro, mesmo agora em que já estamos sendo liberados para voltar ao convívio, ao trabalho. Os processos envolvendo dispersão de vírus estão muito mais associados a cuidados de higiene entre as pessoas saudáveis e possíveis contaminadas. “Há apenas especulação sobre poluição e dispersão de vírus”, diz a professora Adalgiza Fornaro.

Diminuição da poluição também beneficia ambientes marinhos

Poluídas com o excesso de pessoas e turistas, as praias do litoral de São Paulo tiveram um respiro nessa quarentena. Afinal, não se encontrava mais gente caminhando, ou até mesmo, descartando lixos nos mares e areias. Com a diminuição de dejetos, os mares receberam menos poluentes. A redução das atividades industriais também contribuíram com isso, já que poluentes químicos são levados pela chuva até rios, praias e canais de esgoto que acabam desaguando nos oceanos.

Podemos falar também de um outro tipo de poluição, a sonora, que são produzidas através do tráfego de barcos pesqueiros, jet skis, balsas de transporte e navios cargueiros. O ser humano altera e polui os ambientes de várias formas. 

Animais que se utilizam de ecolocalização ou da produção de som para comunicação, como as baleias, se beneficiam dessa redução do tráfego de embarcações. Infelizmente, é difícil conduzir algum estudo científico que desenvolva uma pesquisa de campo, mas pesquisadores dos EUA, além de confirmarem a queda de ruídos nos oceanos, já haviam mostrado que jubartes se comunicam mais nessas condições menos ruidosas. “Com muitas embarcações paradas, há também um alívio da pressão pesqueira seja sobre espécies exploradas comercialmente ou mesmo para aquelas capturadas acidentalmente, que não são alvos da pesca”, conta Natasha Travenisk Hoff – doutoranda e pesquisadora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). 

Pode-se observar que a diminuição de pessoas nas orlas propiciaram não só um ambiente mais límpido, como beneficiaram exponencialmente a biodiversidade que tem nas águas oceânicas o seu habitat natural. Devido a pouca presença de banhistas, cenas protagonizadas por animais marinhos têm se repetido em muitas regiões da costa brasileira – acontecimentos incomuns em dias normais, de praias lotadas. “A diminuição dos resíduos sólidos, da suspensão dos sedimentos, do ruído e do número de banhistas, fornecem um ambiente menos perturbado (mais próximo do natural) para os indivíduos que ocupam esses espaços e se tornam mais convidativos à exploração”, pontua Natasha.

Por isso, não somos acostumados a ver tartarugas e cardumes quando as praias estão cheias, pois eles buscam locais mais seguros e, claro, adequados ao seu modo de vida. Muitos não sabem, mas devido ao nosso descuido e a nossa falta de respeito com o meio ambiente, pagamos um preço alto. Este preço pelo desleixo ambiental não afeta somente a natureza, mas interfere de tal forma, que somos prejudicados também, tanto em questão de saúde quanto de economia. Com dejetos descartados nas faixas de areia e no mar, há um risco maior de nos machucarmos ou até contrair alguma doença de estômago ou pele.

Outra problemática implica na pesca. Muitas vezes os peixes se alimentam de detritos, podendo se tornar um alimento inadequado para o consumo e assim afetar a saúde de comunidades de pescadores e das demais pessoas que venham a consumir esse peixe contaminado. Nem a economia local está livre de se ver afetada, pois praias impróprias para uso atrairão menos turistas e investimentos. Talvez, com a quarentena, a sociedade reflita acerca da interferência humana no meio ambiente e as consequências trágicas que essas ações implicam. Esperamos que depois de tudo isso que estamos vivendo, no futuro, possamos ter mais consciência e respeito à preservação ambiental.

Natasha diz: “Ao fim da pandemia, deveremos ter um novo normal e acredito que deveríamos aproveitar esse momento para estabelecer novos padrões, inclusive no que diz respeito à preservação ambiental.” Um exemplo disso, segundo ela, foi a chanceler alemã, Angela Merkel, que ressaltou a importância de um retorno econômico com um olhar ambiental, incentivando a redução das emissões de carbono, financiando o desenvolvimento tecnológico e em energias renováveis.

A pergunta que fica é: será que depois dessa lição voltaremos com os velhos hábitos, ações e rotinas? Não podemos nos deixar levar e fazer como os chineses que no primeiro dia após o final da quarentena gastaram milhões de dólares em lojas de roupas, bolsas e outros produtos de consumo. Temos que ter mais consciência e repensar o que desejamos para nós e para os animais, o meio ambiente e para o nosso planeta.