Imagem representando violência contra a mulher

Violência doméstica cresce durante a pandemia

O isolamento social provocado pelo novo coronavírus provocou muitas mudanças no modo de vida em nível global. Além do número altíssimo de casos de Covid-19, subiram demasiadamente os registros de violência doméstica no mundo todo. A Organização das Nações Unidas (ONU), manifestou preocupação diante do aumento de casos registrados durante a pandemia e chamou a atenção dos países para investir em serviços online de atendimento e o perfeito funcionamento do sistema judicial no que tange o tratamento dessa pauta. O chefe da ONU, preocupado com a vida de mulheres e meninas no cenário atual, pediu medidas para combater o que classificou como “horrível aumento global da violência doméstica”.

No Brasil não é diferente. Um problema que já era grande se intensificou nos últimos dias, desde a quarentena imposta pelos governos para tentar conter o avanço do novo vírus. De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) foi registrado aumento de 50% nos casos de violência doméstica desde o início do isolamento, que começou em março. Em São Paulo, o aumento foi de 44,9% segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). 

A convivência em tempo integral, o estresse gerado pelo momento incerto que vive o país e, em alguns casos, até o uso indiscriminado de álcool aumentaram ou pioraram o número de casos de violência contra a mulher. Para a advogada e líder do comitê jurídico do grupo Mulheres do Brasil de São José dos Campos, Alice Carvalho, o distanciamento social que as vítimas precisam ter de suas redes de apoio, como familiares e amigos, colabora para que as agressões aconteçam. “O estresse de ficar em casa, muitas vezes sem trabalho, e a incerteza, são problemas que desencadeiam várias violências, não só física, mas moral”, explica, Alice. A advogada pontua outros questionamentos: “É importante dizer que essas violências sempre existiram, é o machismo cultural, resultado de uma sociedade patriarcal. Agora estão mais evidentes, pois a vítima fica muito tempo com o agressor, e o fator econômico talvez seja o maior risco nesse isolamento, pois, com ele, se intensifica também a violência patrimonial e o abuso psicológico”. 

Para a coordenadora dos Direitos da Mulher em Taboão da Serra,  Sueli Amoedo, o ponto mais delicado dessa situação é que as mulheres são obrigadas a passarem pelo confinamento com seus parceiros. “Um número significativo de vítimas estão passando mais tempo confinadas com seus agressores. Como é necessário respeitar o distanciamento social as acolhidas ficam, em sua maioria, sem a assistência devida para denunciar o abuso e a violência nos órgãos competentes, bem como, conhecidos”. 

Apesar de ter se confirmado o crescimento desse crime no país, as dificuldades para formalizar as denúncias têm sido um obstáculo diante das medidas de isolamento social. As vítimas não conseguem ir às delegacias e o convívio que têm agora com os parceiros pode aumentar a sensação de medo. A ONU Mulheres, uma entidade das Nações Unidas que se dedica a promover o empoderamento e a igualdade de gênero, fez um apelo para que os governos planejem ações eficazes destinadas às mulheres durante o confinamento visto que elas representam um grupo vulnerável. O Ministério Público de São Paulo apresentou, em abril, uma nota onde afirma que “a casa é o lugar mais perigoso para uma mulher”. A entidade tem como base a pesquisa Raio X do Feminicídio em São Paulo. O levantamento mostrou que 66% dos feminicídios consumados ou tentados foram praticados na casa da vítima. 

Em São Paulo medidas foram adotadas para facilitar a denúncia. O boletim eletrônico pode ser feito online sem sair de casa, conquista importante que só foi possível depois do isolamento, mas ainda há muito o que ser feito. “A preocupação dos governos com a violência doméstica é insuficiente, principalmente agora no governo Bolsonaro onde se vê uma política que não conversa com as minorias”, diz Alice. Para a coordenadora, que também trabalha no combate a violência doméstica em grupos alternativos que dão apoio às mulheres vítimas de agressões, essa pauta precisa de mais atenção. “A meu ver a agenda é insuficiente, devendo ter mais investimentos para a assistência dessas vítimas, ainda mais com o aumento considerável da violência doméstica em meio a quarentena”. 

Sueli ressalta que as dificuldades são encontradas na própria estrutura do Estado, a falta de atendimento e de delegacias especializadas interfere e atrapalha no enfrentamento a violência. “Não há organismo suficiente de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica em todo o Estado, seria necessário esse tipo de investimento para alcançar mais mulheres e gerar um combate eficiente”. 

Diante de um crime tão sério como feminicídio, que só em 2019 vitimou 1314 mulheres, surgem grupos de apoio que ajudam as vítimas de violência doméstica. Agressão física é o último estágio desse ciclo, mas ele começa muito cedo, principalmente com abusos psicológicos. O projeto Justiceiras nasceu dessa urgência. É uma iniciativa dos Institutos Nelson Wilians, Justiça de Saia e Bem Querer Mulher que, nesse contexto de pandemia, sentiram a necessidade de colaborar ainda mais no combate e oferecer atendimento às mulheres e meninas que estão em situação de violência doméstica.  O projeto já conta com 1500 voluntárias em todo o Brasil nas áreas do Direito, Psicologia e Assistência Social que apoiam e prestam orientação técnica às vítimas por meio de atendimento virtual. Sueli integra a rede jurídica do projeto e assegura que as voluntárias são devidamente treinadas. “O acolhimento é realizado via internet e as líderes do projeto Justiceiras fizeram um webinar para a realização do treinamento, concernentes ao acolhimento das vítimas, aos tipos de orientações e tudo que é necessário para prestar assistência das acolhidas pelo projeto. Dessa forma, elas passam essas informações as voluntárias para que todas estejam devidamente preparadas para o atendimento”.