Mesmo durante o período da pandemia causada pelo coronavírus, as escolas públicas e privadas de São Paulo se preparam para o retorno do calendário estudantil de 2020. As mudanças para o prosseguimento das aulas acontece após uma pausa forçada e férias obrigatórias para alunos e professores. A escolha pelo ambiente digital parece ter agradado por um ponto, mas segue como uma incerteza a longo prazo.
Alguns profissionais tiveram que se preparar para o trabalho remoto de maneira precoce, com pouca preparação para os instrumentos e aplicativos que serão utilizados até o final dessa crise sanitária. Embora as aulas tenham retornado online entre o final de abril e começo de maio, a ideia das Secretarias de Educação é a volta gradual nas aulas presenciais a partir de julho com algumas restrições. Em meio a isso, existem situações de profissionais da educação e seus pupilos que estão no meio do turbilhão causado pela pandemia de um vírus mortal, cada um com seu relato e sua particularidade.
Preparação antecipada
O ensino particular das escolas em São Paulo buscou mobilizar seus profissionais durante as férias forçadas pela pandemia. Desde a criação de portais até a utilização dos aplicativos para lidar com as aulas à distância, a preparação para as aulas foi árdua, segundo Rodrigho Alexandre. “Estamos trabalhando o triplo para conseguir trazer bom conteúdo para os alunos”, disse o professor do ensino fundamental. “Além do calendário e rotina, tivemos que preparar um novo conteúdo, na mesma medida que se familiariza com a tecnologia, aprender sobre algumas plataformas na raça e pegar algumas dicas entre os professores”, continua.
As aulas do seu colégio retornaram em 4 de maio e o professor entende que todas as ações que poderiam ser feitas foram realizadas em um primeiro momento. “Foram três semanas com aulas pelo canal do YouTube, atividades elaboradas, atenção às correções que devem ser feitas, contato direto com pais e alunos… Essa sobrecarga é difícil e ainda se inserir em um processo sem muito conhecimento. Mas, com organização, torcemos para funcionar”.
Embora muitos dos seus alunos possam ter poucos problemas em relação a equipamentos e conexão de internet, Rodrigho acredita que é preciso ser criativo e focar em jogos didáticos entre os alunos. “Após ler alguns artigos e conversas com outros professores, cheguei a propor entre meus alunos uma espécie de ‘Olimpíadas de História’ [por grupo de WhatsApp] e acredito que estamos aprendendo algumas lições”, encerra.
Gambiarra oportuna
Enquanto as instituições privadas de ensino encontram formas de retornar à rotina estudantil, as escolas públicas seguem com algumas questões em aberto. Mesmo com início das aulas acontecendo desde 27 de abril, existem lacunas e dificuldades no acesso para alguns alunos e o trabalho incessante dos professores.
Sem ministrar aulas nesse momento, o professor de Geografia Walvenarck Souza analisa a dedicação dos companheiros para encontrar formas de se familiarizar com o novo momento. “As escolas estadual e municipal não desenvolveram atividades para utilizar a tecnologia de maneira tranquila antes da pandemia, mas quando acontece todas essas situações fica complicado não ter um colapso. Quem tem [conhecimento tecnológico] é porque a curiosidade contribuiu, mas não foi preparado. Uma grande parte do que os professores estão fazendo é intuitivo. Isso requer uma apropriação, domínio da tecnologia para atuar”, exclama.
O educador recorda a necessidade de cumprir a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e expõe a complexidade da situação, que pode dificultar ainda mais o planejamento dos próximos meses. “Vai alterar o calendário, sem férias no meio de ano, teremos algumas aulas no meio de ano, é preciso cumprir o número de horas”.
Diferente da paralisação de 2009, por conta do surto de H1N1, Walvenarck acredita que medidas serão realizadas para não prejudicar os alunos. “Já estamos em colapso. Grande parte dos alunos não vai ter condição de acompanhar as aulas. Alguns vão entender, outros vão ter dúvidas e, quando voltar ao sistema presencial, precisaremos criar um intensivo para todos os alunos terem uma base”, conclui.
Fator emocional
Ministrando aulas em ambiente digital pela primeira vez, Márcia Pereira tem sua rotina definida entre transmitir seu conteúdo online das 13h às 20h pelo ensino público. A professora de Língua Portuguesa avalia alguns processos que acontecem neste momento e menciona problemas que ultrapassam o seu material em sala de aula virtual. “Existem várias questões e perguntas que ficam nos alunos e professores. Como aprender em casa, familiares, coronavírus e isolamento social. Alguns alunos não possuem o equipamento necessário para as aulas e instrução para enfrentar a pandemia. Por esses fatores, as aulas se tornam segundo plano nesse momento”, elucida Márcia.
O contato com outras famílias e a pressão do momento ajudaram a aproximar alguns professores que, conforme explica Márcia, é importante para o desenvolvimento do aluno. “Quando você explica digitando ou por áudio é diferente do que presencialmente, talvez ainda fique uma dúvida no aluno. Mesmo em uma semana, ultrapassando os horários das aulas, alguns me procuram não só para resolver algumas questões da aula, mas para conversas e conselhos. O lado profissional se misturou ao pessoal”, finaliza.
Cumplicidade e ausência de preparação
Estudante do 9º ano da Escola Estadual Dogival Barros Gomes a estudante Rayssa Alves sabe que não vai ter a mesma base de aprendizagem que aconteceria em uma sala de aula. Ela faz alertas para a situação. Junto com os colegas tenta tirar as dúvidas de maneira coletiva para seguir o aprendizado. “Entramos pelo grupo da classe. Esse é o único meio de tirar nossas dúvidas. Tento o máximo que posso para entender. Acho que tinham que melhorar o ensino virtual, pois não estou conseguindo entender muita coisa e não são meus próprios professores [da grade curricular]”, garante Rayssa.
Preocupada com o restante do ano letivo e a possibilidade de retenção de série por conta das dificuldades, Rayssa acredita que a falta de instrumentos para as atividades é outro problema neste período. “Quando eles resolveram dar aula online, não pensaram nas pessoas que não têm condições de acesso. Isso acaba prejudicando os que não têm aparelhos tecnológicos para as lições”, pondera. “Pensando nos alunos do ensino médio, que realizam o Enem, [a falta de equipamento] pode prejudicar muito mais”, completa.
Igor Figueiredo Rodrigues está a um passo de encerrar o ensino médio e buscar um espaço no superior. No 3º ano da Escola Estadual Miguel Vicente Cury, o jovem de 17 anos acredita que o ensino sem tanta eficiência trouxe mais questões para sua preparação. “Basicamente o estudo nunca foi dos melhores e, ainda mais com essa pandemia, dificultou mais as aulas. As aulas online que assisti, a grande maioria, não tinha uma boa qualidade ou algo do gênero. Nas escolas públicas está tudo basicamente meio ‘jogado'”, disse.
Em um momento importante da sua preparação e lamentando a falta de atenção dos instrutores, Igor coloca em dúvida o método adotado à curto prazo. “Os professores teriam que ser mais capacitados, algo mais atencioso para poder atender os alunos nesse momento. Porém, o tradicional é mais funcional, a explicação com professor ao seu lado fica mais fácil de entender; online é algo que precisaria de um tempo e outra capacitação”, afirma. Mesmo com o ENEM paralisado por até 60 dias, o estudante cogita outras maneiras de aumentar a base para a avaliação. “Provavelmente algum cursinho ou algo preparatório será necessário”, finaliza.
Problema no ensino superior
Um prisma recorrente no mundo do ensino à distância é o ensino superior. Com movimentos favoráveis de instituições, os alunos demonstram uma visão contrária às plataformas, ainda mais quando se transformam em exercício cotidiano.
Acostumado a ter pelo menos uma disciplina online por semestre, o estudante de Recursos Humanos, Cauan Laise, pensa que a versão com aulas transmitidas e exercícios pós-aula estão tornando as dinâmicas piores do que em classe. “A comunicação com os professores não é a mesma da sala de aula física, até em questão de espaço, de conforto para estudo e concentração. Há muita dificuldade em compreender a matéria durante esses meses, causando grande impacto de aprendizado”, diz. Até por ser uma situação especial, o aluno vê a falta de interação como uma das dificuldades no momento. “Para quem escolheu curso presencial e está sendo obrigado a ter aulas a distância sente falta física do professor, do espaço para ampla concentração e comunicação. Não há o que dê para melhorar, é uma situação nova”, continua.
Seguindo o mesmo raciocínio, Fernando Nardini crê que a dinâmica é prejudicial para os alunos e professores. “Não é possível ter o mesmo aproveitamento que o presencial, creio que seria melhor classes online reduzidas, com no máximo 20 alunos por aula, assim fica mais fácil a interação aluno-professor”, defende o estudante de Direito.
Por outro lado, Leonardo Frediani entende que é difícil a substituição imediata dos sistemas de ensino e que, de maneira provisória, é uma medida aceitável. “Apesar de pior que presencialmente, fiquei feliz de ter aula e não ser um semestre perdido, ou cancelado como em outras faculdades”. Estudante de engenharia mecatrônica, Leonardo vê que a persistência no sistema seja prejudicial caso se prolongue. “Existe uma queda de rendimento nas aulas online comparada às presenciais. Se não houver uma melhora na didática que teremos não será o mesmo.O desenvolvimento dos alunos cai”, complementa.
Questões previstas
A tecnologia é o ponto que divide alunos e professores quando se trata das aulas pela internet. Enquanto uma geração praticamente nasceu neste momento, outra tenta se adaptar à sua maneira, o que pode gerar alguns conflitos. Para a psicóloga Michelle Assis Muller o universo escolar e o ambiente virtual se complementam, embora as diferenças com a relação tecnológica podem ficar aparentes. “É uma diferença de gerações. A escola é um ambiente plural e abriga essas questões. É o segundo ambiente do ser humano longe de sua casa e onde aprende das relações humanas. É possível existir conflito entre ambos, é uma diferença grande do ensino pela tecnologia. Alunos podem achar que sabem tudo, é preciso ter o equilíbrio de informações”, explica.
A especialista em psicologia escolar compreende as dificuldades que o momento apresenta e acredita que os sentimentos da pandemia contribui para questionamentos. “Percebo que existe uma dificuldade de concentração por parte dos alunos; que não existiu um planejamento. A formação de alguns professores não foi em EAD, a didática é presencial. É um mundo novo para os professores, entre separar o material e entender a melhor dinâmica para facilitar o ensino”, prossegue.
Com a rotina do trabalho home-office se misturando ao ensino à distância, Michelle acredita em um envolvimento maior entre os responsáveis, principalmente com os estudantes de ensino infantil e fundamental. “É preciso do vínculo, com os professores mais próximos. Algumas famílias não têm a paciência, os menores vão ter mais dificuldades para lidar com a aulas e diversão. São jeitos diferentes para tecnologia, vai além de outra linguagem. Existe a rotina da escola e hoje tem o ensino em casa com os pais presentes”, finaliza.