A maior crise sanitária do último século tem provocado alterações radicais em todo o mundo nos âmbitos político, social, cultural e econômico. Com o isolamento social – medida de prevenção amplamente adotada pelos países e que é comprovadamente a ação mais eficaz até agora -, o momento tem gerado prognósticos sobre os seus impactos na economia global.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a pandemia irá provocar a maior recessão econômica desde a crise de 1929, que gerou elaborações teóricas utilizadas até os dias atuais, a exemplo da obra “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, marco indiscutível no debate econômico. A previsão é de que a economia global vai sofrer retração de 3% em 2020 (na crise da década de 1930 esse número chegou a 10%). Segundo previsões da organização, a recuperação só viria em 2021 de forma lenta e gradual, com um Produto Interno Bruto (PIB) mundial em torno de US$ 9 trilhões (R$ 45 bilhões).
Diante do risco de empobrecimento de grandes contingentes populacionais, até mesmo países que adotam duras políticas de ajuste fiscal têm implementado pacotes de auxílios às camadas mais vulneráveis e, também, de socorro a setores inteiros da economia. No entanto, essas medidas são emergenciais e, enquanto elas se desenrolam, cientistas e intelectuais se mobilizam para desenhar os possíveis cenários resultantes da pandemia em uma intensa discussão sobre o papel do Estado e da iniciativa privada; modelos e alternativas que devem ser adotadas pelos países e até previsões que apontam para a possível perda de poder geopolítico, ocasionado pela crise estrutural, em países tradicionalmente hegemônicos, como os EUA.
Entenda os principais aspectos levantados neste debate.
Modelo de letras
Nesse modelo, trata-se do desenhos de vários cenários possíveis pós-pandemia e que foram elaborados para facilitar a compreensão de todos, com base em uma analogia às letras do alfabeto, como se elas representassem os possíveis caminhos de recuperação econômica após a crise. Segundo o diretor da Escola de Administração da Universidade Católica do Chile, José Tessada, nesse formato recorre-se às letras V, W, U e L.
A simulação do cenário V é a mais otimista. Nela, a economia voltaria logo após o fim da pandemia, graças às demandas represadas de consumo e oferta e sem deixar sequelas no sistema produtivo. Em seguida, há a projeção em formato U, em que os efeitos da economia perduram, inclusive porque as normas de distanciamento social permanecem por um determinado tempo mas, por fim, o PIB retoma a trajetória anterior à crise. No modelo W, mais pessimista, ocorreriam novos surtos com a abertura, retardando a recuperação, mas ela viria no fim. Por último, na projeção L, a economia volta a crescer em patamares inferiores ao que seria caso o coronavírus não tivesse aparecido. Diminuiu-se a condição patrimonial dos governos e sociedade; ocorre o aumento da dívida pública; processo, produtos e postos de trabalhos são perdidos e alterados para sempre.
Em entrevista para a BBC News, Tessada afirmou que “existe a suspeita de que, se conseguirmos controlar a pandemia, poderíamos estar diante de uma recessão V porque poderiam-se suspender as restrições – ao comércio e circulação – e recuperar o crescimento aos níveis anteriores ou parecidos”. Por outro lado, o economista-chefe global da agência S&P Global Ratings, Paul Gruenwald, prevê “o que vemos agora se parece mais a um U, ou um U longo, em que recuperaríamos a maior parte do choque recessivo, mas a uma taxa menor”.
O estado ressurge por um novo New Deal?
A Grande Depressão, última grande crise econômica mundial, ocorrida na década de 1930, produziu o chamado New Deal – um projeto de recuperação dos Estados Unidos que ajudou o país a se tornar a potência dos dias atuais. Aplicada sob a governança de Franklin Roosevelt, a proposta consistia em posicionar o Estado Nacional como o principal indutor do desenvolvimento econômico. No caso, foram investidos US$ 4 bilhões de dólares da época em infraestrutura – obras públicas, construção de pontes, políticas públicas, etc.
Passadas quase nove décadas do feito de Roosevelt, a ideia de uma espécie de novo New Neal tem sido defendida até mesmo pelos maiores defensores do Estado mínimo. Recentemente Larry Fink, presidente da Block Rock – maior gestora de fundos de investimento dos EUA – o mercado reagiu, em suas palavras, com “excesso de otimismo” com a chegada do coronavírus. Ele defendeu, em seguida, que “é necessário que governos criem um programa de aceleração do setor de infraestrutura com investimento de capital privado.”
Em entrevista ao jornal O Globo, o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, afirmou que o governo é o único que pode criar alternativas para a superação da crise econômica. Para ele, “o setor público tem a possibilidade de injetar a demanda na economia, tem uma fonte ilimitada, que é a emissão monetária.” Velloso defende, ainda, a antiga fórmula aplicada há quase um século: “ao final das restrições de mobilidade impostas na tentativa de achatar a curva de disseminação da pandemia, será necessário reativar o investimento público em infraestrutura para fazer a economia voltar a girar.”
China e geopolítica
De possível culpada pela pandemia à nova potência mundial nos próximos anos, a China tem sido um dos elementos fundamentais nas análises sobre os impactos econômicos da pandemia. O país asiático sofreu todos os impactos da crise em seu território e parece estável após medidas rígidas para conter a transmissão do vírus em seu território e tentar evitar uma queda drástica em suas ações econômicas. O que não aconteceu.
Conforme estima o Escritório Nacional de Estatística da China, as quedas dos dois primeiros meses na produção industrial (13,5%), varejo (20%) e investimentos (24,5%) superaram as expectativas de analistas de mercado, que projetavam quedas em torno de 3 a 4% destes ativos. Muitos fatores explicam essa queda abrupta, em especial o regime de quarentena e fechamento de fábricas e lojas, que podem ser revertidos em um cenário de produção em massa para outros países, como estabelece Elias Jabbour, especialista sobre China e professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Para Jabbour, uma constatação recorrente neste momento é a de que haverá uma volta da economia de projetos industriais. Para ele, essas iniciativas foram “deixadas de lado” pelos grandes países e a China acabou sendo um repositório mais capaz de receber uma massa de investimentos produtivos que saiam dos EUA e Japão. “Ocorreu em certa medida um processo de desindustrialização nos Estados Unidos, que eles estão sentindo hoje. A China é responsável por 80% dos suprimentos médicos porque se industrializou”, afirma o especialista.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) avalia que o país mostra sinais de normalização e indica que deve manter esse apoio ao crescimento e estabilidade financeira e, se possível, cooperar internacionalmente. Para Elias, existe a possibilidade de um abalo na estrutura geopolítica e no futuro podemos ter uma corrida maciça por força de mercado. “Os países acabavam se tornando o principal defensor desse bloco – setores metalúrgicos, petroquímicos etc – na conquista de mercados externos, uma concorrência entre as nações do mundo já tinha aumentado antes dessa pandemia, e isso envolve a China. O que pode acontecer depois da pandemia é um aprofundamento dessa tendência, uma concorrência louca entre os paÍses, um salve-se quem puder; e irá ganhar quem tiver mais bala na agulha na guerra”, prevê.
Favorecendo o mercado e criando problemas em negócios futuros, o sintoma para essa situação mostra um estresse na tomada de decisão do país norte-americano e a assistência chinesa. Um desses modelos foi a disputa recente entre Brasil e EUA pela importação de equipamentos de proteção individual (EPIs) da China; desvios de suprimentos e a proibição de exportação de produção de artigos de saúde para América Latina e Canadá são outros pontos para definir o poder de nações nesta corrida contra a pandemia, com reflexos no futuro.
Projetando uma nova política de industrialização em alguns países, Elias Jabbour crê que ainda é cedo para afirmar que a China será uma potência geopolítica Entretanto, crê que o país está em uma posição privilegiada. “Em um novo acordo, os paÍses poderão voltar e reaprender a fazer política industrial, porque a China já faz isso. A China está mais bem posicionada nesse aspecto (…) Você tem trinta cadeias produtivas e o país para ser líder mundial tem que estar na ponta em pelo menos em 22; os EUA têm isso, mas a China está em 3, muito atrás dos EUA em matéria de domínio tecnológico. Ela não é detentora do padrão monetário internacional, as pessoas gastam em dólar e se refugiam nele em um momento em momento de crise, isso é uma vantagem absurda”, sentencia.
Economia verde e solidariedade
As discussões em torno do futuro da economia mundial se tornam pontos curiosos para muitos especialistas. Enquanto os mais pessimistas consideram uma forma de repensar o sistema capitalista, outros procuram alternativas para um crescimento potencial do país em meio a crise. Alguns pontos se tornaram comuns nesses planos: métodos solidários em torno da população vulnerável e economia sustentável.
Em artigo publicado na Revista Exame, o economista Muhammad Yunus diz que “os governos devem garantir aos cidadãos que os programas de recuperação que virão sejam diferentes de todos os criados anteriormente. Não deve ser, como de costume, uma medida de recuperação para restabelecer apenas os negócios. Deve ser uma recuperação focada nas pessoas e no planeta”. O desemprego gerado neste período da pandemia também é considerado como um dos fatores para maior investimento em projetos sociais, para estabelecer contratações e uma educação maior para a formação de novos empreendedores, conforme explica Yunus.
Algumas instituições de auditores fiscais do Brasil apresentaram manifestos que buscam uma redistribuição melhor das rendas, com projetos que visam a tributação das fortunas para enfrentar a crise. Com propostas de criar impostos com alíquota de 20% em rendimentos que ultrapasse 80 mil reais até uma porcentagem temporária sobre a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos foram cogitados em abril. Fábio Pereira e Ùrsula Dias Peres apresentaram uma pesquisa sobre a CSLL em abril, voltaram a falar em entrevista no The Intercept em maio, que reforça sobre a situação caótica da saúde e economia, alertando para o grande número de pobres e trabalhadores informais e realizaram uma crítica firme relacionada às ações descoordenadas do governo federal.
A chanceler alemã Angela Merkel acredita em alguns movimentos para o crescimento da economia e, entre eles, um método voltado para a sustentabilidade, com a redução de emissão de gases de efeito estufa, aumento das tecnologias e energias renováveis. “Se estabelecermos programas de estímulo econômico, devemos sempre ficar de olho na proteção do clima”, disse na cúpula virtual Diálogo Climático de Petersberg. Seguindo a mesma linha, o deputado francês do Parlamento Europeu, Pascal Canfin, busca mobilização para concretizar projetos continentais contra a emissão de carbono e conta líderes do bloco que prometeram um foco verde nas estratégias de saída da crise do coronavírus, prevendo a forte recessão que pode atingir o continente.
O ambiente digital ganhou força nestes meses de isolamento restrito ao mais flexível, com oportunidades de trabalho remoto, fortalecimento das indústrias globalizadas de tecnologia e o poder mais alto de aplicativos de delivery (este, em solo brasileiro). Setores de produção, cinemas, restaurantes e hotéis, turismo, além de bens como petróleo e minérios, sofreram grande queda neste período, o que leva a uma reflexão sobre o mundo dos negócios atualmente.